The Project Gutenberg EBook of Silva Porto e Livingstone, by António Francisco Ferreira da Si Porto This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Silva Porto e Livingstone manuscripto de Silva Porto encontrado no seu espólio Author: António Francisco Ferreira da Si Porto Release Date: January 3, 2009 [EBook #27691] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SILVA PORTO E LIVINGSTONE *** Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) *Nota de editor:* Devido à existência de erros tipográficos neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Jan. 2009) Sociedade de Geographia de Lisboa SILVA PORTO E LIVINGSTONE MANUSCRIPTO DE SILVA PORTO ENCONTRADO NO SEU ESPOLIO LISBOA _Typographia da Academia Real das Sciencias_ 1891 Sociedade de Geographia de Lisboa SILVA PORTO E LIVINGSTONE MANUSCRIPTO DE SILVA PORTO ENCONTRADO NO SEU ESPOLIO LISBOA _Typographia da Academia Real das Sciencias_ 1891 Este trabalho foi encontrado entre os papeis do illustre sertanejo portuguez que deram entrada na Sociedade de Geographia de Lisboa, depois da morte d'elle. Foi escripto no Bihé em 1868. Convém ter sempre em vista esta circumstancia e esta data. APONTAMENTOS SOBRE A OBRA DO EX.^{MO} SR. D. JOSÉ DE LACERDA «EXAME DAS VIAGENS DO DR. DAVID LIVINGSTONE» POR UM PORTUENSE Leitor Uma das testemunhas avocadas na obra do ex.^{mo} Sr. D. José de Lacerda, devo explicações sobre muitos dos seus artigos, pois que a recusa d'ellas, seria crime de lesa-nação, em aggravo do bom nome portuguez. O reverendo dr. David Livingstone mereceu, sem duvida, a corôa que seus concidadãos lhe votaram pelos serviços prestados n'estas partes de Africa; no entretanto, força é confessal-o, ella foi desfeita pelo illustre viajante, visto havel-a manchado com a peçonha da calumnia. Quiz chegar aos fins importando-se pouco com os meios. Em abril ou maio de 1853, no dia em que teve noticias minhas, um raio que lhe cahisse proximo não causaria a impressão que lhe produziu semelhante nova, porque, necessariamente havia de comprehender que, mais cedo ou tarde, teria de se achar em face de um competidor, obscuro pelo seu fraco talento, sim, mas testemunho vivo de prioridade nos mesmos logares em que o dr. se julgava com direito a chamar-se o primeiro europeu que os visitou. Ella não me pertence inteiramente, é certo, visto que outras pessoas percorreram esses mesmos logares antes de mim e muito antes do illustre viajante, mas pertence-me de facto, pois que essas pessoas eram enviadas por mim, existiam, e existem ainda, presentemente, no maior numero, ao meu serviço: umas naturaes de Loanda, outras de Golungo-alto, outras de Ambaca, outras de Pungo-andongo, outras, finalmente, do Bihé. O illustre auctor do _Exame_ não tem porventura provado até á evidencia que ella pertence desde epocha remota aos portuguezes? Mas, modernamente, pelo que me diz respeito, e em relação ao illustre viajante, creio não estar em erro dizendo que, a prioridade no interior do continente Africano é minha. Para o provar poderia reportar-me á epocha de 1840; mas como não pretendo exaggerar nem sequer allegar serviços, trarei unicamente para a arena a data de 1845, da primeira viajem ao Lui, muito anterior á apparição do illustre viajante e seus companheiros, em 1 de agosto de 1849, no lago Ngami, percorrendo então, as pessoas que acabo de designar, o Rianbeje em todas as direcções, como adeante terei occasião de mostrar. Oppondo muitos nomes áquelles de que se serve o illustre viajante para designar coisas e pessoas, não faço mais do que servir-me dos termos empregados pelos indigenas, a fim de designar essas mesmas coisas e pessoas, visto que pela maior parte, se forem interrogados sobre o assumpto, não obstante darem por alguns, outro tanto não acontecerá em relação a outros; e nem faço mais do que servir-me da orthographia da minha lingua materna, bem assim como o illustre viajante usou da liberdade de se servir da sua. Outro tanto não direi da situação geographica dos logares aqui indicados, attendendo a que não são marcados com a bussola, mas sim segundo a posição em que nasce e se põe o sol; para me subtrahir a taes inconvenientes dirigi a carta que abaixo segue ao illustre viajante, julgando-o então em Rinhande. Hoje mesmo, que o governo portuguez se delibere a enviar uma pessoa pratica nas sciencias naturaes e geographicas, e eu, com muito gosto me promptifico a acompanhal-a a todas as paragens d'esta parte da Africa para o indicado fim, que será o unico meio de pôr termo, de uma vez por todas, a invectivas menos justas de naturaes e estranhos. Eis a carta a que me refiro. Meu illustre amigo. _Bihé_, 22 de setembro de 1861. Os grandes heroes que a historia proclama, a mór parte das vezes o são, assolando a terra, e devastando a raça humana. A esses, pois, tal titulo significa uma blasfemia! Em identicas circumstancias, mas por fórma diversa, que é por certo maior gloria, ao vosso zelo, perseverante vontade, e á custa de immensos sacrificios a prol das sciencias, e a favor da humanidade, ella com justiça e verdade, vos terá de acclamar de seu heroe. Poderei ser tão feliz que tenha a dita de vos tornar a vêr? Se assim se verificar desde já ponho a minha gente ás ordens do meu illustre amigo, para estas paragens, e n'ellas, ou mesmo para qualquer parte que pretenda seguir, a minha pessoa fica desde já tambem á sua disposição. Assigno-me com toda a consideração De V. S.^a Amigo attencioso _Antonio Francisco Ferreira da Silva Porto_ Disse e repito que, o illustre viajante quiz chegar aos fins importando-se pouco com os meios; vejamos se assim não é. A carta que acabo de transcrever e que lhe dirigi julgando encontral-o em Rinhande, é a confirmação plena da minha boa vontade, quando, puz os meus bons serviços á sua disposição. A tel-os acceitado, a sua missão seria completa, porque eu levava-o, facilmente, ás nascentes dos seguintes rios: Riambeje, Quango, Cubango, Cunene, Quanza, e outros que vão desaguar no atlantico ao sul de Loanda até Benguella. Regeitou, porque não quiz que uma segunda pessoa partilhasse tal gloria, muito principalmente sendo essa pessoa estranha á sua nacionalidade; preferiu occupar-se exclusivamente, e mais de espaço, em pintar com sombrias e carregadas côres, o hediondo quadro dos incorrigiveis traficantes de carne humana; da sua prioridade no descobrimento do interior do continente Africano, e finalmente na pregação da Biblia, como palavra descida do Céo. Deixou o rio Lunga, affluente do Cabombo, e esteve na povoação do soba Machico. Devia de saber alli que d'esse local á nascente do Riambeje, apenas se contam dez dias de viagem, como affirma o actual soba do paiz, que por vezes foi á caça dos elephantes para essas partes; parece-me que valia a pena accrescentar esses dias na ambicionada viagem de Loanda, embora se tornasse mais demorada, a fim de marcar com precisão a latitude e longitude da nascente do manancial de mais longo curso, conhecido aqui em Africa, se é que o rio Cubango se não dirige para o mar, e põe termo á sua carreira no lago Ngami, como é a opinião do illustre viajante. Proseguiu ávante, deixando tudo em trevas, como quer fazer acreditar aos olhos do mundo civilisado, fazendo-nos passar por inteiramente ignorantes; e note o illustre viajante que falo em marcar com precisão, e não em descobrir o que ha muito já se acha descoberto. Poderia eu dirigir-me ás nascentes d'esses mananciaes que ficam descriptas a fim de que se viesse no conhecimento das suas verdadeiras origens, mas attendendo a que a sciencia exige mais alguma cousa, além de uma simples descripção, por este motivo tenho desistido da empreza aguardando que de futuro pessoa competente na materia, venha resolver o problema. Pondo remate a esta minha introducção, peço indulgencia para algumas phrases menos mal cabidas, que porventura se encontrem no decurso dos meus apontamentos; mas, sendo ellas tão amiudadas na descripção que o illustre viajante nos apresenta, seria necessaria a paciencia de um santo para deixar de respostar ao pé da lettra. _Lui_, 14 de setembro de 1868 _Antonio Francisco Ferreira da Silva Porto_ Principiaremos pelas nossas coisas, e vem a ser que, tratando o illustre auctor do _Exame_ a ps. 12, das missões, diz o que segue: «A extincção das ordens religiosas, e com ella a de todas as missões, foi perda irreparavel para as nossas possessões africanas, que tanto podiam e deviam ter com ellas aproveitado. As funestas consequencias estão-se experimentando, e desde logo tinham de prever-se: de certo, porque de todo o ponto é fóra de duvida que, missões regularmente constituidas, e d'onde hajam a esperar-se effectivos e avantajados resultados, só por via das corporações religiosas podem obter-se. O que, n'este intuito, podem fazer as corporações religiosas, só ellas podem fasel-o, porque só ellas podem preparar, escolher e ter á mão, mediante os votos monasticos, os obreiros mais competentes; as condições tão especiaes, proporcionadas pelos votos, mormente pelo da obediencia, não ha nenhum outro modo de serem suppridas. É por isso que tanto fizeram outr'ora os nossos missionarios em uma e outra Africa, e na India, e na America, e na China, e no Japão, e na Cochinchina, e em toda a parte; e é por isso tambem que tão pouco têem feito quaesquer outros missionarios não pertencentes ás congregações religiosas: estes vão aonde querem ou aonde podem, aquelles aonde os mandam: para estes, tudo são estorvos e tropeços, para aquelles, sem familia, sem bolsa e sem vontade propria, não ha obstaculo, porque obdecem: estes hesitam, porque deliberam; aquelles obram, porque não carecem de resolver-se. etc.» Assim o creio no que diz respeito ás missões, visto que os missionarios que então existiam pelas colonias nada tinham com a politica seguida na metropole, não dizendo outro tanto dos seus ultimos tempos em Portugal, porque os factos praticados pelos membros de que se compunham as differentes ordens religiosas durante o periodo de 1828 a 1833, são de todos conhecidos, e foram o que deram causa á sua extincção. Os ministros que representam Jesus Christo na terra devem occupar-se unicamente da missão sagrada do seu ministerio, e não de negocios mundanos, inteiramente em desharmonia com ella. É indubitavel o incremento do nosso poder no interior d'este vasto continente, sob a acção das missões, e a sua decadencia depois da extinção d'ellas; o Bihé gozou dos seus beneficos effeitos tendo por capitão-mór Antonio Francisco da Conceição e Mattos, nomeado em 11 de maio de 1791, no governo de Manuel de Almeida e Vasconcellos,[1] e a missão dirigida por um barbadinho italiano, que celebrava os officios Divinos n'uma casa apropriada ao fim, na povoação do dito Mattos, baptizou grande numero de sertanejos que ao tempo existia no paiz, uns naturaes da Europa, e outros do Brazil, outros finalmente indigenas, mas todos portuguezes, ministrando egualmente o mesmo Sacramento, a grande parte do povo Bihano, o qual, na falta de sacerdote no seu territorio, tem por habito receber o baptismo na cidade de S. Filippe de Benguella. Em 1842 conheci egualmente n'esta cidade o seu vigario (padre Manoel), que tambem exerceu o ministerio no Bihé, e em Caconda. A sua benefica influição devia de ter chegado ás terras da Lunda, Luvar e Lui, attendendo a que os habitantes d'estas regiões são tão sociaveis como o povo Bihano, não se podendo dizer outro tanto em relação a grande parte da tribu Quimbunda, a que pertence a Bihana, visto que os quimbundos se conservam no estado primittivo de selvagens, e bem assim a raça Ganguella, cuja familia se pode dizer composta de diversas tribus, como aquella. Finalmente, venham missionarios para as nossas possessões, mas missionarios portuguezes. Com o intuito de se reparar o erro, foi restaurado o collegio de S. José do Bombarral, sendo do dever do governo lançar vistas para assumpto tão momentoso, a querer que conservemos a importancia que nos compete como nação de grande consideração colonial. A paginas 30 e 31 o seguinte: «Vou occupar-me do lago Ngami, um dos descobrimentos de que tão grande alardo fez o dr. Livingstone. No capitulo 3.^o lê-se a pag. 65 o seguinte: Doze dias depois que nos apartámos dos wagons em Ngabisane chegamos á extremidade nordeste do lago Ngami; e no 1.^o de agosto de 1849 descemos todos à bacia do lago, e, _pela primeira vez_, observaram europeus este magnifico lanço de agua.» Sendo interrogado pelo illustre viajante sobre se conhecia o Cubango, respondi affirmativamente, ao que retorquiu alimentar o lago mencionado; disse eu então que não omittia opinião segura, mas que me parecia não limitar-se ao lago unicamente, visto ser um rio de grandes dimensões. No dia 22 de maio de 1846 digo o seguinte: «Continuámos a viagem, e fomos fazer quilombo nos mattos, na margem direita do rio Cutato dos Mangoias. Caminho plano, mattos fechados, em partes, em outras despovoado de arvoredo, falta de riachos, terreno fertil. Uma hora de marcha distante d'esta paragem, existem as nascentes de dois rios caudalosos: Rio Cutato dos Mangoias, dirigindo o seu curso para o norte a desaguar no rio Quanza, e o rio Cubango, dirigindo o seu curso para o sul a desaguar no mar para o nascente.» Ora, comprehendendo as vertentes d'este grande manancial até ao lago Ngami, não quero discutir se com effeito é ahi o seu termo, ou se segue ávante como acabo de transcrever no trecho acima da minha Viagem, no citado anno, á cidade de Benguella, o que fica para ser resolvido por pessoas competentes, mas sim fazer ver que os portuguezes de Quilengues, desde antiga data, mantem não interrompido commercio pelo interior para o sul e sueste, comprehendendo o lago em questão. Os portugueses de Caconda, Quingollo, Galangue, e Caquingue, só mais tarde é que principiaram de transitar para esses mesmos logares; e finalmente os portuguezes do Bihé; todas as paragens do interior d'este vasto continente, desde antiga data, e até ao presente teem sido, e são por elles percorridas em não interrompido commercio com os indigenas. Em virtude do que, não teem razão de ser a pretensão do illustre viajante á descoberta do lago, visto que em setembro de 1841, achando-me na cidade de Benguella, ahi encontrei já grande movimento commercial para as terras que acabo de designar: e para que parte seguiriam essas fazendas, a não ser para esses logares que ficam indicados? Regressando ao Bihé n'esse mesmo mez e anno, o mesmo presenciei, e para que parte seguiria esse commercio, a não ser para o Ribebe, e terras circumvisinhas, Ganguellas, Luvar e Lunda, onde a concorrencia era immensa para cera, marfim e escravos, mas com especialidade para estes ultimos, pelas grandes vantagens que então se davam, mas que tinham de ter termo como todas as cousas o teem n'este vae-vem terrestre? E a concorrencia continuou de affluir á terra da Lunda, depois d'elle; porque não obstante a extincção do trafico, sempre foi um grande mercado de marfim, explorado de antiga data pelo povo de Cassange; da mesma sorte a terra já citada do Ribebe e circumvisinhas, situadas nas vertentes do Cubango; em identicas circumstancias as terras da grande familia Ganguella sob diversas denominações, que não obstante a extincção do trafico, sempre se tornaram uns grandes mercados de cera, n'umas, e d'este mesmo producto e marfim, egualmente, em outras. Finalmente, temos as diversas terras da grande familia Quimbunda, tambem sob diversas denominações, cujo commercio consta unicamente de escravos, e que em virtude da sua visinhança ao litoral, sempre foram habitadas, de antiga data, por europeus que n'ellas fixaram residencia, e hoje por seus filhos, netos e bisnetos, sobrepujando a todas, a terra do Bihé, grande centro de todo o commercio do interior, na epocha em que o trafico era licito, e annos depois por contrabando até 1845. Ellas não bastavam a abastecer o mercado do litoral, e os sertanejos á porfia procuravam e percorriam as terras que acabamos de designar para o indicado fim: acabado o trafico hediondo da escravatura, pelos principios philantropos e humanitarios, assim chamados, são da mesma fórma procuradas as terras do interior, onde apparece a cera e o marfim. Que fosse pois até essa epocha, que o illustre viajante nos quizesse expor á censura geral como entes desmoralisados, vá: advertindo que, ainda lhe restava a presumpção do parallelo entre portuguezes e inglezes; considerando que estes depois do aprisionamento de qualquer navio negreiro, conduziam os desgraçados africanos para as suas possessões, e não os vendiam por toda a vida, e por preços fabulosos, como faziam os infames contrabandistas, mas sim por uma modica quantia e por um determinado espaço de tempo no fim do qual, o filho de Africa se tornava livre! Mas presentemente, e tanto de espaço tratar de uma questão que se póde dizer extincta, parece incrivel que a tanto se aventurasse! Esteve no meu estabelecimento em Catongo: quantas correntes cheias de infelizes encontrou? Se tal se desse teria materia de sobejo para um volume. E se me desviei do assumpto que me tinha proposto, de mostrar a prioridade dos portuguezes no lago Ngami, assim era de necessidade a fim de mostrar que para a permutação de escravos não era necessario sahir de territorio Quimbundo do anno de 1845 por deante. A paginas 62 sobre a mosca _tse-tse_,--os Macorrollos dão-lhe a denominação de _Zeze_, o povo Lui dá-lhe a denominação de _Madinda_, e finalmente, o povo Bihano dá-lhe a denominação de _Bisumangalla_ ou _Apopullo_,--eis o que digo a respeito d'este insecto damninho, no dia 26 de junho de 1853: --«Continuámos a viagem, e fomos fazer quilombo nos mattos, logar denominado Maranhati. Caminho plano, mattos fechados, terreno fertil, legoas andadas 6, rumo de sul. «Encontrámo-nos com tres grandes manadas de gado, que se dirigiam com destino a Quiceque e Rinhande, tendo sahido poucos dias antes da minha partida da capital do Lui. Seguiam pois os conductores munidos de escudos e azagaias, pelos lados do gado, este, formando o centro, carregando, sobre a cabeça, e ligado entre a armação, os couros preparados, e que servem de cobertura aos mesmos pastores; seguindo manso e vagaroso, o som do apito de um unico pastor como guia, na sua frente: os chefes da comitiva seguiam por ultimo, para que não se desgarrasse alguma creação. «Quando chegam na margem de alguma lagoa ou rio, tiram os couros que o gado conduz, e este principia de pastar, isto pelo espaço de duas horas, pouco mais ou menos, tempo em que o geral do povo se entrega a tomar tabaco, a fumar, a comer, e finalmente ao descanço; e, ao cabo de cujo espaço tornando de pôr os utensilios em cima dos animaes, continuam a marcha encetada, que, no maior rigor, não excede jámais a cinco horas diariamente, excepto por certas e determinadas paragens, nas quaes se torna indispensavel a marcha nocturna, em consequencia de uma mosca de mordedura venenosa que, sendo em grande abundancia se torna o flagello (do gado) visto seguir-se a morte ao cabo de determinado periodo. Por estas paragens é denominada de Zeze, e pelos bihanos de Bisumangalla; é um pouco mais comprida que a mosca ordinaria, mas muito mais dura de pelle, pois que para se matar é necessario pizal-as com os pés, bem assim, andar o viajante munido de ramos nas mãos para as afugentar do corpo, pelos mesmos logares onde se tornam abundantes. «Verificada a occasião da marcha nocturna, um pastor na frente, servindo de guia, e tangendo uma frauta, o mais povo dos lados, e na retaguarda os chefes com tições accesos, fecham o sequito de uma numerosa manada de gado; logo que chegam no logar destinado para o curral, este é feito n'um momento, de paus e ramos das arvores, que cortam para o indicado effeito: no centro repousa o gado, em circulo, e encostado ao cerco o mais povo da comitiva para evitar qualquer assaltada do rei das selvas, e em virtude do que não deixam de velar continuamente.» N'essa occasião, levando a cavalgadura do meu uso, por me livrar de um excesso, vim a cahir no excesso contrario: livrei-me de um, deixando de costear o Riambeje por causa dos rios seus affluentes que forçosamente tinha de passar em canoas, e cuja passagem se tornava perigosa para ella; deixando por esse motivo de visitar a catarata Chungo ou Mosioatunia cuja descoberta então teria a regalia de disputar ao illustre viajante, mas não assim aos meus concidadões, fosse qual fosse a sua côr e condição;--comtudo, visitei-a mais tarde como terei occasião de mostrar--e cahindo por consequencia no excesso contrario por causa da mosca de que acabo de falar, visto que fui obrigado a deixar ficar a cavalgadura no dia 30 d'esse mesmo mez e anno, n'uma das povoações do povo Guete, fazendo por tal motivo a jornada a pé d'esse local para Rinhande, e vice-versa, para o que me não achava preparado. A paginas 71 o seguinte: «Contando-nos a sua marcha para o interior do continente africano, e o seu encontro com Sebituane, celebre chefe indigena, em o esboço que desveladamente d'elle nos bosquejou, diz o dr. Livingstone: «Tendo conquistado todas as convisinhanças do lago Kumadau (_Mculadau_), ouvio fallar dos homens brancos, que viviam na costa occidental; e esporeado pelo que parece ter sido o sonho de toda a sua vida, o desejo de abrir communicação com os brancos, passou ao sudoeste.» Mais adeante se lê: «Sebituane (_Xabitane?_) formou o designo de descer o Zambeze até ás terras dos homens brancos. Tinha a idéa fixa, que _não sei d'onde lhe viera_, de que, se possuisse uma peça de artilharia, lhe seria possivel viver em paz. Sebituane passara a vida na guerra, e todavia ninguem mostrava desejar a paz tanto como elle. Um propheta o persuadiu a voltar de novo para oeste. Aquelle homem, por nome Tlapano, era chamado «Senoga», isto é, que trata com deuses... Tlapano apontando para o oriente, exclamou: Alli, Sebituane, vejo fogo: evita-o: é fogo que pode abrazar-te. Os deuses dizem que não vas alli.» Voltando-se para o oeste, exclamou: «Vejo uma cidade e uma nação de homens negros, homens da agua: o seu gado é vermelho: a tua tribu está a acabar, e toda será destruida: tu has de governar os homens negros, e depois que os teus guerreiros tiverem captivado o gado vermelho, não consintas que os donos d'elle sejam mortos. São elles a tua futura tribu, elles hão de formar a tua cidade. Sejam poupados, para que te obriguem a edifical-a. E tu, Ramosini, sabe que a tua aldêa será totalmente arruinada. Se Mokari se apartar d'aquella aldêa elle perecerá primeiro, e tu, Ramosini, perecerás ao depois.» Com respeito a si proprio accrescentou. «Os deuses foram causa de que outros homens tivessem agua para beber; porém a mim só me concederam a pessima bebida do chakuru (rhinoceros.) Chamam-me para si. Não posso demorar-me mais.» Disse que para provar a nossa prioridade ao illustre viajante, traria unicamente para o caso a data de 1845 da primeira viagem ao Lui, o que passo a demonstrar. A minha perigrinação por estas paragens data de 1840, tendo partido da Cidade de S. Paulo d'Assumpção de Loanda; porém em 1841, dirigindo-me á cidade de S. Filippe de Benguella, como já tive tambem occasião de dizer, os meus commissionados dirigindo-se pelas terras do interior que ficam designadas, passavam e repassavam o Riambeje, no dominio da Lunda, e nas terras dos Ganguellas; o ponto a que se dirigiam era para a terra do Lutembo, povo assás turbulento, e mescla das tribus Bunda e Zambueira, com o intuito de se obter passagem para a terra do Lui, já de grande nomeada pelas amiudadas incursões que fasia o seu povo ás terras circumvisinhas a fim de se assenhorear do gado que na epocha abundava por todas. Eram taes as maravilhas que circulavam d'esta California em prespectiva, que se tornava necessario lá chegar, fossem quaes tivessem de ser os sacrificios a fazer. O soba Cabitta, então senhor da dita terra, ou porque quizesse o exclusivo do mercado do marfim que negociava com o soba do Lui (Cacoma Mulonga ou Sanduro), e permutava com sertanejos do Bihé, semelhantemente ao Jaga de Cassange, com o Matiamvo,--ou receioso de ser aggredido mais amiudadamente depois de franqueado o caminho aos da mesma procedencia, é certo que sempre se recusou a prestar o seu consenso; porém no anno de 1845, mediante extorsões inauditas, e a clausula de dois empregados que foram constrangidos de ficar comprando os generos por preços fabulosos, foram abertas as portas de par em par á comitiva para a terra da promissão, e obtida esta primeira conquista, restava ainda outra de não menos difficil empenho e vinha a ser o pôr termo as excessos do senhor de Lutembo, visto que as extorsões se foram grandes na ida, se tornaram muito maiores no regresso, exigindo-se dentes de marfim como tributo da passagem concedida para o Lui. Prompta, pois, a comitiva para a partida, recommendei ao seu chefe, Francisco Monteiro da Fonseca, um diario da dita viagem, e bem assim, procurar por todos os meios ao seu alcance, passagem para o Lui que não fosse a da terra já citada. No anno de 1847, na segunda viagem á dita terra, eis o que digo a este respeito: «A terra do Lui propriamente dita, é habitada presentemente pelo povo Genge, (synonymo de audacioso, posto pelos indigenas aos Macorrollos, e pelo qual se ficou denominando o paiz,) o qual se assenhoreou do paiz pela imbecillidade do soba Riumbo, antigo senhor do mesmo. Este se bem que tarde conhecesse a sua fraqueza, jámais quiz ser tributario d'aquelles a quem o havia entregue, e por esse motivo, expatriando-se, com parte do seu povo, se veiu refugiar n'esta terra denominada Locullo, antigamente sua tributaria, e hoje sua côrte, denominada Lui. O soba Riumbo tem seguros sessenta annos de idade, e não obstante a mesma, ainda não depôz as armas de guerreiro, pois se tarde conheceu a sua fraqueza entregando o paiz aos seus inimigos; presentemente não lhes tem cedido um palmo de terra. É paiz de grande extensão, com immensas terras que lhe são tributarias, cujos sobas seguidos do seu povo, annualmente vem prestar tributo ao soba Riumbo, com os seguintes generos: marfim, escravos, canoas, pelles de todas as qualidades, mantimentos, carnes de caça, peixe, mel e sal; não ha gado domestico de especie alguma, visto que o possuido antigamente, ficou em poder do povo Genje; a unica creação domestica que possuem são gallinhas. «É pois este povo, d'entre o geral do gentio, de costumes simples e não corrompidos; o unico instincto que possuem é o de Deus e nada mais: usam trajar pelles dos differentes animaes bravios, as quaes são por elles mui bem preparadas; as suas armas, são: arcos e frechas, lanças curtas e compridas.» Pelo que diz respeito ao soba Cabitta, as coisas continuaram da mesma fórma, e relativamente a buscar differente caminho, não foi possivel persuadir os Bihanos para tal fim. No anno de 1849, da terceira viagem, falleceu o soba Riumbo, succedendo-lhe seu primogenito Machico, e de cujo acontecimento nenhum damno resultou para os viajantes, attendendo á boa indole do povo, e attendendo egualmente ao estylo seguido alli tambem:--_Morreu o rei: Viva o rei_.--pois que o defunto soba não passa além de vinte e quatro horas insepulto, e o herdeiro já existe occupando o seu logar, passando por consequencia o acontecimento desapercebido como qualquer outro. As extorsões do soba Cabitta, já para com as pessoas da comitiva, já para com dois empregados que de rigor eram obrigados de ficar, como tive occasião de dizer, continuavam da mesma maneira, dando logar n'esta occasião a ter eu de lançar mãos das armas para repellir do quilombo o dito soba e a turba de que se fazia acompanhar a fim de lhes infundir respeito aos viajantes; para evitar taes disturbios aquelles se fitavam mutuamente, concorrendo cada um com o peculio indispensavel, e em proporção das fazendas que cada contribuinte recebia da minha mão, e depois de entregue, segundo o preço imposto pelo insaciavel e turbulento soba, e de bem examinados todos os objectos, respondia este: _agora sim, estão desempedidos; podem seguir viagem quando quizerem_. No entretanto, estes vexames não eram praticados unicamente na ida; no regresso, apresentava-se o licencioso soba no quilombo exigindo dentes de marfim de tributo, e segundo o que cada pessoa conduzia, visto que assistindo á passagem da comitiva no rio Lutembo, em cuja margem esquerda se acha situada a libata grande, que vem a ser a povoação principal ou chefe da terra, contava e recontava as cargas de marfim que do porto eram conduzidas para o abarracamento, dizendo sem rebuço em tal acto, que era para que o não enganassem; tornava-se necessario pôr termo a taes excessos, mas, como vamos vêr, a um acaso providencial se deve semelhante successo. No anno de 1850, da quarta viagem, ainda o soba Cabitta gozou na ida da comitiva o direito de passagem, porém chegando ella na margem direita do Riambeje, como era de costume dispararam-se as armas a fim de dar aviso da chegada de hospedes na terra, e a cujo signal de prompto acudiam os canoeiros; o silencio n'esta occasião, bem assim no dia seguinte, foi a resposta que os viajantes obtiveram; acto continuo formaram conselho sobre o que restava a fazer, e o accordo foi geral de que Machico tinha sido guerreado pelos intrusos visinhos, e por consequencia havia mudado de local, e então que se devia descer o rio com o intuito de se entabolar negociações com o chefe dos Macorrollos; para este effeito deram caça a dois pretos da tribu Nhengo, que depois de presos para não fugirem, serviram de guias á comitiva até ás povoações de Ribonda, ao noroeste do Riambeje, e situadas na sua margem direita, onde, depois de postos em liberdade e gratificados, regressaram ao logar da sua nacionalidade. Por ordem do chefe do local foi a comitiva impedida, julgando-a povo de invasores, até ulterior decisão da libata grande do paiz, para onde tinham seguido emissarios com a participação da sua chegada, regressando ao cabo de dois dias com outros enviados do soba, a fim de a conduzir para o local que lhe era indicado para fazer o estabelecimento, ou Quibango, como o denominam na lingua Bihana, em frente a Nariere, então corte do povo Macorrollo no Lui. Esta povoação ficou inteiramente deshabitada depois da revolução de setembro de 1864, que elevou ao poder Hipopa, actual senhor do paiz, e ultimo filho de Cacoma Mulonga ou Sanduro, muito conhecido do illustre viajante, visto que esteve ao seu serviço por concessão de Hiquereto, então sob o nome de Lutango. Recebeu o chefe da comitiva á sua chegada no local, um dente grande de elephante, um boi, e grande porção de mantimento, e no dia seguinte, seguida dos seus companheiros, apresentou-se em Nariere, que, como era de esperar, estava litteralmente apinhada de povo, avido sempre de novidades. Na praça, ou centro da povoação, Hebitane; Pepe, seu logar-tenente no Lui; Hiquereto, seu filho e successor, pastoreando então o gado n'esse tempo; Borollo, seu irmão; inclusivè as pessoas do sexo masculino da familia, e mais optimatos da tribu assentados em bancos rasos a curta distancia da residencia do soba; os viajantes proximos, e a turba na praça se achava apinhada, como já disse, assentada no chão; sendo recommendado silencio, levantou-se o chefe da comitiva, e no idioma Ganguella deu conta de todas as particularidades relativas á viagem; da terra da sua naturalidade; por quem eram enviados, e finalmente as suas intenções de manter relações de amizade com o chefe do paiz, o que foi transmittido a Pepe, e este, acto continuo, passou a transmittir a Hebitane, o qual respondeu achar-se de accordo, visto serem esses os seus desejos.--«A Quiceque, disse elle, chegaram Macuas do Oriente, apontando para o indicado ponto, (No dia 12 de março de 1853 falo d'esta gente, procedente de Inhambane ou talvez de Quelimane), mas havendo-se retirado, não teem regressado. Por differentes vezes, continuou elle, tenho ouvido falar de Macuas do Occidente em Locullo, sem que se apresentassem no local, o que tinha dado logar a mandar guerrear Machico, a fim de vêr, se, continuariam de o procurar, ou então se vinham ao local como acabava de se realisar, e por cujo successo todos se deviam congratular.» Findo o que, teve logar a entrega de presentes, mutuamente, e o dispersar de actores e espectadores para seus logares; e agora, que o soba Cabitta desappareceu da scena, visto que morreu em 1854, e visto egualmente que d'elle nos não tornaremos a occupar, porque a comitiva na torna viagem passou pela terra do Cutti: permitta-me o leitor que desviando-me do assumpto, relate um caso que tem relação com uma heroina, mãe d'este mesmo soba fallecido, e em cuja familia é innato o despeito. No dia 30 de maio do corrente anno, na margem direita do rio Cubangui, emissarios de Muene Gambo ou Muene Calunga, (a mãe de Cabitta) me vieram da sua parte pedir um dia de demora no local, a fim de fazer negocio do dente direito de um elephante, e de cujo animal já tinha comprado o dente esquerdo na cabeceira do dito rio; respondendo affirmativamente, esperei, e eis o que digo a este respeito: --«_31 de maio de 1868._ Pelas duas horas da tarde chegou Muene Gambo com uma comitiva excedente a duzentas pessoas, não trazia marimbas, mas trazia os tambores que é de uso fazer concerto com os ditos instrumentos, e o indispensavel farcista ao estylo do Luvar e da Lunda, cujo unico serviço consiste em ser varredor, fazer visagens, e repetir continuamente a saudação usual do dito povo: _Averié! Averié!_ «Tendo feito alto fóra do quilombo, (arraial), dei ordem para que fosse introduzida, e hospedada n'uma barraca que lhe tinha destinado, e depois de haver descançado algum tempo, mandei comprimental-a, e saber se queria fazer negocio do dente de marfim, que já a tinha precidido; respondeu negativamente, dizendo que: o seu cancaço era grande, em virtude da jornada que já não comportava a sua edade; e em presença de semelhante decisão, lhe mandei dar algumas gallinhas, carne de vacca secca, e farinha de massango, para o seu jantar: concluido este dever, tratei egualmente de apromptar os generos necessarios para o negocio em questão, a fim de estar prevenido para o dia seguinte. «Frio, e vento forte de Nordeste.» «_1.^o de junho._ Eram oito horas quando mandei comprimentar Muene Gambo, e saber se estava disposta a tratar do negocio, apresentou-se pessoalmente com seis dos seus macotas (conselheiros), fazendo-me vêr que, o seu fim tinha por objecto conhecer-me, e o dente de marfim, era presente que me fazia: retorqui agradecendo a visita; e dizendo que não tinha por habito receber presentes de valia, e então seria melhor tratarmos do negocio, attendendo a que se não daria mal. Com effeito, sendo esta gente bastante impertinente em assumptos de mutua troca, com esta velhinha ainda robusta, eram nove horas quando o negocio estava concluido, muito a seu contento e dos seus conselheiros, jurando ella que de futuro, cera ou marfim que lhe fosse possivel obter, teria o cuidado de conservar a fim de me ser enviado para o dito effeito; não necessitando dizer que, o direito de passagem que teria a fazer ao seu subdito Muene Camgamba, (soba do local, mas que nada recebe de tributo dos viajantes, em virtude de n'elle vir situar muito posteriormente á passagem de comitivas para Lui) o fiz a ella em mais avultado quinhão, mas não exigido, e dado com muito gosto. «Esta mulher deve com effeito ufanar-se da sua existencia, visto que tem sido mãe de treze filhos que por seu turno reinaram em diversas partes, sendo, seis do sexo masculino, e sete do sexo feminino, existindo apenas Chiella sua filha, actualmente em Cangilla, e avó do actual soba da dita terra, de que falei a 22 do mez proximo findo; presentemente então governando os seus netos e bisnetos de ambos os sexos, sendo os seguintes de maior consideração: Soba Liatto no Lunguébungo, de quem é feudatario o soba da terra de Muatamjamba; sobas das terras de Cangilla, Gonga e Lutembo; o celebre Catongotongo, hoje situado proximo das vertentes do rio Cutti, tambem é seu neto. «Concluindo, direi que, Muene Gambo tem para mais de oitenta janeiros, estatura baixa, e reforçada de corpo; cabellos brancos, cheios de missanga branca grossa, entretecida de maneira a dar-lhe á cabeça a apparencia de coberta com um capacete. Uma especie de baculo de canna, de que ha abundancia nos bosques da Lunda, imitante a canna da India, lhe servia de arrimo; trajava pannos de zuarte, e sobre o hombro direito, trazia um especie de enxó bastante enfeitada. Notei que tinha o passo firme, não obstante a sua avançada edade; e, como acabo de dizer, eram nove horas quando o negocio estava concluido; depois de nos haver-mos despedido, dei ordem para alevantar a comitiva. Continuámos a viagem, passámos o rio Cubanguí, e proseguindo a marcha, fomos entrar no quilombo sito na sua margem esquerda, onde nos encontrámos a 14 de novembro do anno passado, eu, e o meu amigo Bonifacio José Rasquete. Tempo frio e vento forte de Nordeste.» Agora, voltando ao assumpto de que me tinha desviado, direi que da quinta viagem no anno 1852, está o illustre viajante bastante ao facto, visto que n'ella tive a honra de o conhecer, o que, hoje, em virtude do que se tem dado julgo que melhor fôra se não tivesse realisado. O illustre viajante sabe perfeitamente que a ingratidão é uma dama que causa tedio! Quanto melhor não fôra que tivesse tratado simples e puramente da sua viagem no interior d'este continente? deixasse viver em paz os pobres traficantes? não tratasse tanto de uma ephemera superioridade, que hoje eleva para amanhã abater? e finalmente tratasse mais da Biblia, como palavra descida do céo... Hebitane, tinha tido conhecimento de viajantes portuguezes do Oriente e do Occidente, muito tempo antes do illustre viajante pôr pés em territorio africano. Os primeiros vieram a Quiceque, e os segundos faziam parada em Locullo, apenas a cinco dias de distancia de Nariere, como já tive occasião de dizer; que sejam classificados de negociantes, sertanejos, ou _mambari_, (áparte a côr) isso pouco importa. O illustre viajante é conhecido commummente pelo seu nome:--O Reverendo Dr. David Livingstone,--mas entre os indigenas simplesmente pelo appellido de _Monare_; a peça de artelharia, encommenda de Habitane, na occasião da retirada dos meus empregados, e que mandei vir de Lisboa, teve-a seu herdeiro no poder, mais tarde, isto é, em 1854, mas o destino que lhe deu, foi o de a mandar refundir para manilhas dos braços e pernas, visto que era de bronze, e pouco menos de calibre um; o mesmo destino lhe daria seu pae, a dar-se o caso de não ter fallecido. Admira pois que o illustre viajante perdesse o seu tempo com taes futilidades, como a da prophecia; pense que ninguem é propheta na sua patria, e muito menos na alheia: Hebitane tinha um tanto de lunatico, e era um selvagem; nada mais natural do que acreditar nos ditos do embusteiro Tlapano, que, em parte se realisaram com a revolução de setembro de 1864, preludio do massacre de seu irmão Borollo, regente na menoridade de seu sobrinho Ritari, de toda a sua familia, e de toda a tribu Macorrollo, aqui no paiz, e que, como já tive occasião de falar, elevou ao poder o actual soba Hipopa, filho de Cacoma Mulonga. Esta terrivel catastrophe para a tribu em questão, só poupou algumas mulheres que de bom grado acceitaram a nova ordem de coisas, entregando-se voluntariamente nas mãos d'aquelles que na vespera curvavam a cerviz ao jugo estranho, e que no curto espaço de vinte e quatro horas, trocando-se os papeis, passavam de escravos a senhores. Á excepção d'essas infelizes que inda assim assistiram á tragedia, o massacre foi geral, não poupou creança de peito! Effeitos violentos de medidas que emanam sempre do terror, e que mais tarde ou cedo fazem acabar os que as empregam ás mãos do mesmo terror, mas não de vaticinios sem connexão, nem mesmo com o merecimente da novidade. Senhor do mais bello paiz central do continente africano, que o acaso havia deposto a seus pés, sem que lhe custasse a mais minima gotta de sangue, Habitane não o soube gozar, nem mesmo soube aplanar o caminho para os seus, a fim de que para o futuro o viessem a desfructar; principiou por ordenar o exterminio d'elles, não obstante o seu já reduzido numero; até que a morte o veiu colher em 1851, em Rinhande de Muanamgombe ou sitio Dumbua, capital que havia fundado, e onde jaz sepultado. Uns dizem que de morte natural, outros, e d'estes o maior numero, dizem que envenenado; o que deixo para ser averiguado por pessoas competentes, que de futuro se occupem com as nossas coisas de Africa. Hiquereto, seu primogenito, assumindo o poder, transferiu a capital para Rinhande, local mais ao Sueste, e a oito horas de distancia, porém, trilhando a mesma vereda de seu pae, pode dizer-se que o seu governo foi um continuo sorvedouro de vitimas, mandadas assassinar sob a mais leve apparencia de suspeitas, já ao supremo arbitrio, já em virtude de feitiços contra a sua pessoa. Depois de uma longa enfermidade do mal de Lazaro, foi mandado estrangular no leito da agonia por seu tio Borollo, segundo o pregão da turba, em 1863, e sepultado n'esse mesmo local de que foi fundador, e que durante os primeiros annos do seu governo, se tornou um grande centro de animação e movimento. Borollo, vendo que o poder, depois da morte de Hiquereto, passava ás mãos de sua mãe, apresenta-se em Rinhande a fim de o disputar (1863), o que consegue depois de uma grande batalha, em que a victoria depõe a corôa de vencedor a seus pés, assumindo por essa occasião a regencia durante a menoridade de seu sobrinho Ritari e recolhendo á terra do Lui que torna a readquirir a sua antiga preponderancia da capital do paiz. No entretanto, em logar de poupar os da sua tribu a fim de equilibrar a governação entre elles e os indigenas ao contrario de seu irmão e sobrinho, continua o seu exterminio sem descanço, a fim de desaggravar as injurias porque havia passado no governo d'este ultimo: o que visto pelos naturaes, foi o signal de alarme para sacudir o jugo dos Macorrollos em setembro de 1864, como acabei de dizer. A paginas 72 e 73 o seguinte: «Conta o Dr. Livingstone que, tendo-se dirigido de Naliele a Sesheke (deve ser de Rinhande), cento e trinta milhas ao nordeste, e descoberto o Zambeze no centro do continente, e visitado o paiz limitrophe, fôra procurado, e o seu companheiro Oswell, por muitos individuos, que trajavam baetas de differentes cores, e um d'elles algodão pintado; e nos informa de que taes mercadorias eram obtidas por via dos Mambari, que demoram nas proximidades do Bihé, os quaes as tinham trocado por creanças de ambos os sexos. Accrescenta que, em 1851, se realisara um rasgate de duzentos rapazes de 13 a 14 annos de idade por espingardas portuguezas, as quaes tinham a marca de _Ligitimo de Braga_. Ora os Mambari eram, por assim dizer, commorcãos do Bihé, e estavam em intimas relações com os portuguezes, com quem traficavam em escravatura, e de quem eram corretores, e a quem, como é sabido, e, como veremos, attesta o mesmo Dr. Livingstone, acompanhavam nas suas excursões commerciaes pelo interior de todas aquellas regiões. Não póde pois deixar de ter-se por certo, porque se torna incrivel o contrario, que tinham dado os Mambari largas noticias do Zambeze central.» No já citado anno de 1845, os negociantes da praça da cidade de Benguella que até então depositavam inteira confiança nos seus sertanejos do Bihé, e de futuro continuaram, entregavam as suas fazendas a estes sem condições previas, quer dizer: que as dividas até essa data fossem solvidas em escravos, em cera, ou em marfim, isso não era questão, esta limitava-se a que se fizesse o pagamento, em prazo mais ou menos longo, não obstante o estipulado na escriptura que era de seis meses; no entretanto, no já citado anno, foi imposta condição positiva de taes dividas serem pagas em cera e marfim, o que sempre se tem verificado até ao presente. Não necessito dizer que isto foi motivado pelo rigoroso cruzeiro então estabelecido para a total suppressão do contrabando. Disse egualmente que as diversas terras de que se compunha a tribu da grande familia Quimbunda, e á qual pertence a Bihana, faziam o seu exclusivo, de escravos, e, a ser possivel a exportação d'elles, sendo a praça da cidade de Benguella o grande centro de affluencià do commercio do interior, n'um momento dado em que lhe fosse necessario, mil, ou dois mil escravos, não tinha mais do que enviar emissarios pelo interior, para que no curto espaço de um mez, tal numero se apresentasse. O Bihé demora apenas a dez dias de distancia d'esta cidade, e d'aqui para baixo as mais terras da tribu designada. Ora, os sertanejos em questão, não se podiam afastar de uma condição imposta muito antecipadamente ao contrahimento da divida, e na mesma escriptura, que, para todos os effeitos reputavam de sagrada, e dada tal hypothese, significaria faltar á fé dos contractos, a que por certo se não queriam expor; menos, quando fosse possivel a exportação de escravos no litoral por qualquer circumstancia fortuita como acabei de falar. Porque haviam de aventurar-se então a um mercado de tal natureza, tão longiquo como a terra do Lui, Luvar, ou mesmo da Lunda, tendo-o á porta, e por todo o interior nas differentes terras de grande familia Ganguella, depois de se transpor os rios Cuquema e Quanza, comprehendendo o quadrante do norte e sul, a limitar por leste com as tres terras acima, nas quaes, muito antes das medidas suppressores do trafico, o melhor escravo não excedia jámais dez lenções, (medida de cinco covados cada lençol,) e d'este preço para baixo até tres lenções. E sendo o primeiro preço, aquelle porque regula qualquer escravo entre a tribu Quimbunda, não necessito dizer que, cahe por terra qualquer argumento em contrario ao que acabo de expender. No Lui, os escravos eram comprados pelos Bihanos com os pagamentos que se lhes fazia, que nunca excedeu para todas as terras do interior, além de tres lenções, na ida (para a cidade de Benguella regulava o mesmo preço na ida, porém na recolhida em seis lenções;) e outros tres na recolhida, fazenda que dava perfeitamente para dois escravos, que serviam de carregadores ao senhor, em quanto que elle passava a carregar a carga do sertanejo. E hoje que se não dão negocios taes n'este paiz, e se realisam na terra da Lunda, os Bihanos seguem á porfia para esta. Relativamente ao resgate ou melhor diremos compra, de duzentos rapazes de 13 a 14 annos de edade, pelas taes espingardas denominadas portuguezas, não teem qualificação possivel tal asserto; no entretanto, notaremos que é um excessivo numero de instrumentos mortiferos para quem lhes sabe o valor intrinseco, mas não na mão d'esta gente que, ao menor desarranjo em qualquer mola, e na falta de mestre para o concerto, as vendem por um lençol de fazenda ou um macete de missanga. Qualquer sertanejo procedente do Bihé quando se dirige para este paiz, nunca traz mais de uma até duas caixas de espingardas, segundo a quadra do anno, que vem a ser no primeiro caso, trinta, e no segundo, sessenta armas; uma parte d'este numero fica no caminho permutado por cera e marfim; nas comitivas, de ordinario, sempre veem um numero muito maior, mas é para sua defeza. D'onde, sahiu pois o numero indicado pelo illustre viajante?... Emquanto ao rotulo, significa usurpação pura e simples d'aquelle de que faz uso seu primitivo auctor, visto que a procedencia d'essas armas, hoje, é das fabricas da Allemanha e Inglaterra, que as mandam ao mercado por modicos preços e em virtude dos quaes o verdadeiro auctor não pode fazer competencia. Até 1854 foram aquellas as armas que para aqui vieram, e todas as tribus para o poente não fazem uso de outras, porém, como os Macorrollos sympathisassem mais com as raiunas, introduzidas pelo illustre viajante, principiaram estas, d'essa epocha por deante até 1864, de affluir ao paiz, mas em consequencia dos acontecimentos cahiram em desuso, para de novo darem entrada áquelles, as quaes, bem como polvora, chumbo em balas, e munição, arame de latão grosso, contaria de diversas côres e qualidades, fazendas finas e ordinarias, e finalmente roupas, finas e ordinarias, genero de grande extracção, são de exclusiva negociação com o soba, attendendo a que este concentra na sua pessoa como senhor absoluto, todo o machinismo mercantil, negociação unicamente feito, por elle, e pelo sertanejo que se apresenta. Concluida, ella tem logar a entrega do marfim, e por consequencia a distribuição dos generos pelos magnates em geral; tem egualmente logar então a dispersão do povo da comitiva para as terras limitrophes, onde se permuta o marfim, egualmente os escravos, sendo este segundo ramo da attribuição dos Bihanos, que, se dão melhor com elles, que não com os da sua raça, em consequencia da humildade d'elles, já para o seu serviço, já para satisfazer Milongas (crimes), já finalmente para permutar por cabeças de gado, cujo preço é de seis bois grandes (castrados) por um escravo, o que o possuidor decora com o pompôso titulo de sua manada de gado. E todo aquelle que possue esta, e, ainda além d'ella, quatro ou seis escravos, sahiu da classe plebea para a nobre; já por ter maior numero de concubinas, que uma honraria adquirida á razão de um escravo ou um boi; e já finalmente porque entra na classe de pombeiro, recebendo fazendas dos sertanejos, pelo que é obrigado de acompanhal-os para toda a parte; sendo a isto que o Bihano aspira unicamente, dando principio á sua carreira pelo tirocinio de carregador. Pelo que fica dito se vê que o nome de _Mambari_, applicado indistinctamente ao povo Bihano pelos indigenas, e alternadamente _Himbari_, e _Bimbari_, pelo povo Ganguella, é synonymo de _Quimbar_ ou _Himbar_, com o qual são designados os escravos pertencentes aos sertanejos, entre a raça Qimbunda, á qual, como já tive occasião de falar, pertence a terra do Bihé, e mais terras para o poente até á cidade de Benguella, comprehendo algumas que demoram para o norte e sul. Em virtude do seu dialecto especial, e unico assim denominado, apresentando-se os sertanejos do Bihé pelo interior a tratar de seus negocios, os habitantes julgando o povo da comitiva como sujeito aos mesmos, os ficaram designando de vez pelos nomes que ficam notados, e com os quaes se não deshonram os Bihanos, povo excencialmente commerciante. Nas mesmas pag. 73 e 74 o seguinte: «Quando os Mambari (narra Livingstone) divulgaram entre os seus, em 1850, noticias favoraveis do novo mercado, aberto no Oeste, muitos mulatos portuguezes, dados ao commercio da escravatura, foram induzidos a ir alli em 1853; e um, que _similhava perfeitamente um portuguez_, chegou a Liniante (_Rinhande?_) emquanto eu alli estava. Este homem não trazia mercadorias, e affirmava ter vindo unicamente com o fim de indagar que sorte de fazendas teriam sahida no mercado. Pareceu-me muito transtornado com a minha presença. Sekeletu (_Hiquereto?_), deu-lhe de mimo um dente de elephante e um boi, e, tendo-se (o portuguez) encaminhado a distancia de perto de cincoenta milhas a Oeste, levou comsigo uma _aldeia inteira de Bakalahari_ (_Bacalaliari?_) pertencente ao Makololo (_Macorrolos?_). Trazia comsigo grande numero de escravos armados; e como todos os habitantes da aldeia, homens, mulheres e creanças foram levados, e o facto ficou ignorado até muito tempo depois, não se sabe se elle realizou o seu intento por meio da força, ou se mediante seductoras promessas. Em todo o caso a escravidão foi a sua sorte. O portuguez era conduzido n'uma maca, dependurada de duas varas, de modo que tendo a configuração de um sacco, os Makololo, o nomeavam «o pae-do-sacco.» Este homem tão infamemente ultrajado, e que foi meu visinho no Bihé, presentemente morador no concelho do Dombe, no districto da cidade de Benguella, chama-se Caetano José Ferreira, natural do Barreiro, suburbio de Lisboa, e tem tanto de mulato, quanto o illustre viajante tem de boa fé nos seus escriptos. Sahindo comigo do Bihé a 20 de novembro de 1852, e seu companheiro Norberto Pedro de Senna Machado, natural de Setubal, a 16 de janeiro de 1853, a comitiva dos ditos senhores tomou a direcção do Sul, para as vertentes do rio Quando, e a minha, a direcção de Nordeste para aqui. Caetano José Ferreira, por suggestões das pessoas principaes da comitiva, foi levado a contrahir juramento com o soba do local onde permutou seus negocios, dominio do então soba Hiquereto, como actualmente o é do soba Hipopa. Este juramento que os indigenas denominam Cacendo, consiste na diabolica cerimonia dos contrahentes fazerem uma pequena incisão no peito, á qual depois de applicados os labios, mutuamente chupam o sangue que d'ella sae, e concluido tal acto, dizem-se inseparaveis para a vida e para a morte; bem assim com direito reciproco nos seus bens, havidos e por haver. N'esta scena repugnante que rapido acabo de bosquejar, verificou-se, porém, o contrario do que naturalmente era de esperar, visto que um mez depois da retirada do mesmo senhor para o Bihé, succede morrer o soba, e os selvagens affirmando ser proveniente do sangue que tinha sorvido do europeu, em razão de tal ceremonia achar-se unicamente em uso entre os naturaes, aguardaram ensejo de se apresentar alli em 1854 uma comitiva minha, para preparar o assassinato de dois Bihanos, como represalia do acontecimento, notificando ao chefe de dita comitiva, que, se Caetano José Ferreira se não apresentasse, ou gente sua, a fim de pagar o crime da morte do soba, os dois assassinatos que tinham commettido, seria o preludio de vinganças mais estrondosas na occasião em que no local, ou circumvisinhanças, apparecessem comitivas do Bihé. Effectivamente, os dois assassinatos foram _pagos_ pelo dito sr. no Bihé aos parentes das victimas, e, acto continuo, foi constrangido a mandar enviados seus com fazendas, para satisfazer ao arguido crime da morte do soba em questão, a fim de evitar maiores complicações e prejuizos de futuro. E sendo o caso que acabo de descrever a consequencia de uma imprudencia irreflectida, qual não seria aquelle que immediatamente se seguiria ao attentado do sequestro de uma _aldeia inteira de Bakalahari?!!_ Eu vou dizer ao leitor: O chefe da comitiva, o seu companheiro, inclusive brancos naturaes do paiz, e brancos para mais de mil, seriam massacrados ao furor da turba de taes paragens, sempre avida de sangue, attendendo a que para tal carnificina, seriam sufficientes quarenta e oito horas, se tanto, de communicação pelo rio Quando, a fim do soba Hiquereto enviar a ordem, depois de recebida a participação, no que não seria economico, muito principalmente tendo por mentor o illustre viajante inglez. Não appliques aos outros aquillo que, não desejas te seja applicado, diz o rifão. De fado, o illustre viajante não pensou jámais que mui proximo teria de ser victima d'este proloquiio, pois que recebendo debaixo da mais boa fé, do dito soba, a gente que o conduziu a Loanda, bem assim o marfim para alli lhe permutar, parte d'este genero serviu de costeio á dita viagem, affectuada a qual nos nivela com zero; e tornando de receber identico beneficio na viagem premeditada e realizada a Moçambique, tornou ainda a abusar da boa fé do mesmo soba, porque o actual senhor do Lui espera ainda pelo marfim e gente que acompanhou o illustre viajante á mencionada terra. Terminarei este paragrapho com duas palavras sobre a questão das côres. Os inglezes sabem bellamente o quanto lhes teem custado estes mesquinhos preconceitos. Os portuguezes estão ao facto da malquerença que entre elles e seus irmãos do Brazil existe: no entretanto, nem uns nem outros querem tomar o juizo perante os exemplos, a fim de uma vez por todas acabarem com elles. Nas mesmas pag. 74, 75, e 76 o seguinte: «Mpepe (Pepe?) favorecia estes commerciantes de escravos, e elles, segundo o seu costume, fundavam as esperanças de se tornarem preponderantes no bom resultado da rebellião meditada. Conheceram que o apparecer eu em scena havia de pezar na balança contra os seus interesses. Um grande golpe de Mambari tinham vindo a Liniante (_Rinhande_), quando eu andava herborisando nos prados ao sul do Chobe (_Rio Quando?_). Chegando-lhes a noticia de eu estar alli proximo, mudaram de rosto; e quando alguns Makololo, que nos tinham ajudado a atravessar o rio voltaram com os chapéos que eu lhes dera, os Mambari fugiram precipitadamente. É do costume que os visitantes peçam licença com formalidade antes de se retirarem da terra do chefe onde se acham, porém a apparição dos chapéos fez que os Mambari enfardassem á pressa. Os Makololo informaram-se da causa da precipitada retirada, e lhes disseram que, se eu alli estivesse, lhes tomaria os escravos e as fazendas; e posto que Sekeletu lhes assegurasse que eu não era salteador, mas sim homem de paz, fugiram de noite, achando-me eu a sessenta milhas de distancia. Marcharam para o norte, sob a protecção de Mpepe, construíram uma forte estacada, d'onde alguns mulatos, commerciantes de escravos, capitaneados pelo portuguez nativo, continuaram no seu trafico, sem fazerem caso do chefe, em cujo territorio tinham feito incursão com a maior semceremonia.» «Accresce que, n'outro logar Livingstone, referindo-se a este mesmo facto, accrescenta: _Alguns Mambari nos visitaram quando estavamos em Naliele_.» São da familia Ambonda (_Quimbunda?_) que habita o territorio ao sueste de Angola, e falla o dialecto bunda (_Quimbundo?_) commum aos Barosse, (_Brose_, _Bruse?_) Baicie, etc. São tão negros como Barosse, mas _vive entre elles grande numero de mulatos_, distinctos pela sua côr peculiar de amarello doente. Os _mulatos_, _os portuguezes nativos_, todos sabem lêr, e escrever, e o cabeça do bando, se _realmente não é portuguez, tem o cabello europeu_, e obrigado provavelmente pela carta de recommendação do cavalleiro Duprat, arbitro por parte do governo de S. M. F. na commissão mixta ingleza e portugueza na cidade do Cabo, mostrou-se sinceramente desejoso de apresentar-me todos os bons officios ao seu alcançe. Estas pessoas, _estou certo_, foram os primeiros individuos de sangue portuguez, que viram o Zambeze no centro do paiz, e chegaram lá dois annos depois da nossa descoberta em 1851.» Ja tive occasião de dizer que, o soba como senhor absoluto do paiz concentra na sua pessoa todo o poder, todos affirmam, mas ninguem se aventura de reprovar a minima de suas acções; elle, e o sertanejo, são as duas pessoas que unicamente se entendem sobre negocios: feliz d'este se á primeira partida de marfim que recebeu lhe paga a factura, porque todo o mais que fôr apparecendo de tributo até ao dia da sua retirada, pertence-lhe, porque o vae recebendo proporcionalmente ao passo que fôr chegando. O tributo de escravos á sua chegada, depois de escolher os melhores para o seu serviço, é distribuido pelo povo da localidade, verificando-se a mesma particularidade nos mais ramos tributarios, com excepção das canoas, e redes de pescar; aquellas para o serviço geral, e estas para distribuir pelos pescadores. De tal regalia gozaram Pepe, em virtude dos seus poderes illimitados; mais tarde Hiquereto; mais tarde Borollo; e goza actualmente Hipopa. Esse grande numero de rapazes de 13 a 14 annos de edade que tanto deram no goto do illustre viajante, tambem disse só poderia ser transacção dos Bihanos. O sertanejo quando dá as suas fazendas ás diversas pessoas de que se compôem a comitiva, é para a permutação de marfim e jámais de escravos. Agora, rebellião de quem, a favor de quem, e contra quem?... Eu teria tudo a perder com ella, e nada a ganhar; no entretanto posso affirmar ao illustre viajante que, effectivamente, tive propostas do infeliz soba Pepe de cooperar com elle para o extreminio do soba Hiquereto, a que respondi negativamente, fazendo-lhe vêr que tinha vindo tratar dos meus negocios, e não ingirir-me em outros que me não diziam respeito. Propostas identicas me foram mandadas fazer da parte do soba Machico, que rejeitei egualmente; ora se eu fosse natural de Zamzibar, e, quiça, que inglez, tendo como tinha sufficientes meios de que dispor para o effeito, talvez me inclinasse a acceitar taes offerecimentos que na realidade eram brilhantes; mas sendo de opinião differente, não quiz acceitar o que por tres vezes me foi offerecido: uma pessoalmente pelo infeliz soba Pepe, e duas por parte do soba Machico, como acabei de dizer. As medalhas teem verso e reverso, e quem assim não pensar arrisca-se de cahir de muito alto. E eu dava tanta importancia ao apparecimento do illustre viajante em scena, ou melhor direi á sua sem razão no assumpto a que se refere, que por elle sou justificado na minha semceremonia de transitar em todas as direcções, n'um paiz que não era meu, mas onde, no entretanto, para usofruir de tal regalia, havia comprado esse direito, contribuindo com o competente tributo, como é de uso em todas estas paragens. Quereria talvez o sr. Levingstone o exclusivo d'elle como Mentor do soba Hiquereto?! Dependeria eu d'elle em alguma coisa?! Mas os Bihanos fugiram de que? Pela apparição dos chapéos, ou pela noticia que tiveram de se achar proximo o illustre viajante, visto que andava como diz: «herborisando nos prados ao sul do Chobe?» Responderei que nem por uma nem outra coisa. Retiraram-se mas foi realmente pelo illustre explorador andar «herborisando»... na boa fé do soba Hiquereto, que a não ser tal circumstancia, talvez este se resolvesse a vender o marfim que possuia, e que não vendeu por insinuação sua, dirigindo-se então elles para Quiceque, e logares circumvisinhos, bem assim para territorio do dominio da tribu Batebere, onde permutaram as fazendas pelos dentes de elephantes, e não: «Marcharam para o norte, onde, sob a protecção de Mpepe, construiram uma forte estacada.» Esta estava concluida em fevereiro, quando a dispersão do povo da comitiva teve logar em março de 1853, como passo a demonstrar. Ella, e a bandeira das quinas que dei ordem de arvorar á sua chegada, causariam ao illustre viajante sem duvida, a impressão de um raio, qual a da minha apparição no Lui, como já tive occasião de dizer. Por esse lado não tem razão, como effectivamente a não tem na maior parte dos seus escriptos, attendendo a que a prioridade das descobertas em Africa pertence de facto e de direito aos portuguezes. Agora, que na terra a força disponha da justiça, o reverendo Dr. David Livingstone, sabe perfeitamente que acima de nós existe um poder superior a nós, perante o qual todos teremos de ser julgados. Relativamente á celebre estacada de Catongo, ou muro de pau a pique, de que acabei de falar, responderei que querendo eu ficar na margem d'além do Riambeje, por estar ao facto das desintelligencias do soba Pepe com o soba Hiquereto, aquelle fez-me vêr que tal passo não era do seu agrado, em virtude do que, dei ordem para se passar para a margem d'aquem. N'esta, foi-me destinada a montanha denominada Catongo, para fabricar o estabelecimento, local verdadeiramente bello pela elevação que occupa, e pela prespectiva que apresenta da sua sumidade. Dei principio e conclusão áquelle fabrico em fevereiro do já citado anno, seguindo o povo da comitiva para os differentes pontos do paiz no mez de março seguinte, bem assim a comitiva de Moçambique, e isto depois de recebida a ordem do soba Hiquereto para o indicado effeito, quando ainda o illustre viajante não tinha chegado da sua tão apregoada segunda viagem. Desgostoso pelos acontecimentos, fiz formal tenção de não voltar ao Lui; despachei os meus empregados no anno seguinte de 1854, porém regressando elles ao Bihé junto a emissarios do soba Hiquereto, e de sua ordem, tanto insistiram commigo que resolvi seguir viagem em 1858. Chegando no paiz fiquei na margem d'aquem do Riambeje, no estabelecimento de Luiz Albino Rodrigues, e local dos primeiros, onde continuou fluctuando a bandeira das quinas, além da que nos era inseparavel, quotidianamente, na frente da comitiva, sendo então logar-tenente de Hiquereto, seu tio Borollo, com quem communiquei no que dizia respeito aos meus negocios, attendendo a que aquelle era apenas um automato da vontade d'este, e o Lui, _Broze_, e _Bruse_ dos indigenas, era simplesmente a sombra de sua passada grandeza. O movimento, e a vida do paiz, estava litteralmente falando, em Rinhande. Depois de ter despachado a comitiva para os seus differentes pontos, e de ter chegado a esta capital, n'um dia, em occasião de conversar com Hiquereto, disse-me elle que: o illustre viajante lhe havia dito não approvar no paiz a presença de Macuas de Oeste, pois que pretendiam apossar-se d'elle, havendo as provas do que avançava, na estacada por mim feita em Calongo!! Respondi ser falsa semelhante asserção, tendo elle provas mais convincentes do contrario na minha recusa de voltar ao paiz, e quem pretendesse assenhorear-se de qualquer dominio, não dava, por certo semelhante passo, nem, ainda, se apresentaria com a força com que eu me apresentava; poderia pois socegar por este lado, porque não seria da minha pessoa que lhe resultaria o menor damno. Podendo inferir-se de um tão insolito procedimento, a razão de ser que existe na confrontação de portuguezes e inglezes, descripta a ps. quinze da introducção, 68 e 231 do _Exame_, accrescentarei, que não levei jámais a audacia a ponto de malquistar meus irmãos perante os selvagens, considerando como meus irmãos todos aquelles que andam peregrinando por estas paragens seja qual fôr a sua procedencia e naturalidade. Em presença do que acabo de dizer, perguntará o leitor para que dirigia a carta de offerecimento dos meus serviços ao illustre viajante; responderei que então não quiz dar credito ao que Hiquereto me disse, attribuindo a revelação a intriga dos familiares; hoje, porém, verifica-se o contrario em presença dos factos que se apresentam. É menos exacto egualmente o que o illustre viajante diz sobre dialectos, isto é, ser commum a lingua Quimbunda ao povo Lui e Baieie; Como a ps. 191 do _Exame_ se trata mais detidamente do assumpto, responderei que, é commum a lingua Quimbunda a grande parte do territorio Africano, podendo fazer-se egual parallelo entre ella, e o dialecto Bunda (de Angola e suas dependencias) áquelle que se dá entre a Portugueza e a Castelhana: mas já não assim em relação aos dialectos Cafrial, Ganguella, Humbe, Macorrollo, e Mullua; não menciono a tribu numerosa dos _Cassaqueres_, especie de ciganos, de côr pardo claro, e errante pelo interior do continente, em virtude do seu estado vagabundo. Aquelles tribus espalhando-se com o correr do tempo pelo extenso e vasto solo que lhes deu o berço, vieram mais tarde a mesclar-se umas com as outras, formando nações diversas, e taes como existem presentemente. Os sabios de futuro terão de resolver o problema. Reservando para aqui as palavras que de proposito sublinhei de: «_Alguns Mambari nos visitaram quando estavamos em Naliele_.» direi que não têem qualificação possivel, visto que o illustre viajante foi visitado por mim, e não pelos Bihanos, faltando por consequencia ao que deve a si como cavalheiro, nivelando um outro com os selvagens. A paginas 77 e 78 o seguinte; ouçamos o que diz ao ponto o Dr. Livingstone, e ficaremos desenganados: Mr. Oswell e eu nos dirigimos para Sesheh (_Quiceque?_) a cento e trinta milhas ao Nordeste, e, no fim de junho de 1851, fomos recompensados das nossas fadigas com o descobrimento do Zambeze no interior do continente. Isto era de grande momento, porque d'antes não se sabia que existisse alli aquelle rio. Os mappas portuguezes todos o representam como tendo origem muito mais a Éste do lado onde nos achavamos, e se em algum tempo tivesse existido coisa que semelhasse uma serie de postos commerciaes atravez do paiz, entre as latitudes 12.^o e 18.^o Sul, esta magnifica porção d'aquelle rio devia ter sido conhecida. Nós o vimos no fim da estação estiva, tempo em que o rio está mais diminuido, e comtudo levava então corrente de agua profunda na largura de tresentas a seis centas jardas. Mr. Oswell declarou que nunca vira rio tão formoso (_que não tem em tal logar formosura, visto ser despido de arvoredo_), nem mesmo na sua India. No tempo da sua inundação annual eleva-se perpendicularmente vinte pés e alaga quinze ou vinte milhas de terras adjacentes ás suas margens.» Não obstante repizar n'um objecto que não admitte controversia, como seja o Riambeje visitado em antiga data pelos meus concidadãos; anteriormente a 1845 pela minha gente em territorio do dominio da Lunda, e d'esta data por deante no Lui, lembrarei a feira de Cassange estabelecida de antiga data, e da qual ainda me não occupei. Os portuguezes ahi estabelecidos enviavam e enviam suas fazendas pelo interior, tomando diversas direcções, e em algumas, segundo os pontos a que se dirigem, passam e tornam a repassar o Riambeje. Em identicas circumstancias temos os portuguezes residentes nas Pedras de Pungoandongo, as suas fazendas seguem da mesma fórma para todos os pontos do interior, em alguns passam e tornam a repassar o Riambeje,--_Riambei_ e _Riambeje_, nomes empregados commummente pelos indigenas por estas paragens, para designar o grande rio, e cujas terras banha com as suas aguas, o qual, como já tive occasião de falar, é o manancial de mais longo curso conhecido aqui em Africa. No dia 20 de janeiro de 1848 na viagem dos meus empregados, eis o que digo em relação a este rio: --«Passámos o Riambeje para a margem opposta, ao qual se torna impossivel marcar as braças que poderá ter, em consequencia de ser um grande descampado todo cheio de agua na presente estação; o rio dirige o seu curso pelo centro, as canoas largando da margem direita para a esquerda, gastam seis horas de bom remar na ida e volta. O Riambeje tem a nascente na terra do dominio da Lunda denominada _Musso-candanda_, e vae desaguar no mar para o Oriente.» Na actual viagem encontrei no estabelecimento Bonifacio José Basquete e o seu empregado João Francisco da Silva; aquelle senhor na sua viagem do Bihé para Cazembe-mucullo, passou, a um dia de distancia d'aquella terra, o Riambeje, com agua pela curva da perna; accrescentando o dito seu empregado, que, a gente da povoação Namoanna Hicungo, do já citado dominio de Musso-candanda, está situada na cabeceira do rio em questão, d'onde tiram agua para seu uso diario. A povoação de um dominio qualquer pode existir hoje, e amanhã desapparecer em virtude da sua fórma de governo, mas já não a terra de Musso-candanda, ou mesmo outra qualquer em dominio poderoso; mudam apenas os sobas. Concedendo porém que assim não seja como acabo de transcrever, é fóra de toda a duvida que qualquer rio caudaloso aqui em Africa, vadiavel que seja com a agua pela curva da perna, d'ahi á sua cabeceira não podem distar mais de quatro dias de jornada, a experiencia assim m'o tem ensinado. Fica pois demonstrado que não tem razão de ser a pretensão do illustre viajante á descoberta do Riambeje no interior do continente, em 21 de junho de 1851, querendo ainda corroboral-a com a presença de mr. Oswell, attendendo a que muito anterior á sua apresentação no dito local, isto é, de fins do seculo passado até ao presente, os portuguezes o teem passado e repassado em todos os pontos banhados pelas suas aguas. A paginas 79 e 80 o seguinte: «Fallando do reino de Matiamvo, e do desejo que tivera de visitar este potentado, diz o dr. Livingstone: Que lhe asseguram, assim os commerciantes indigenas, como os naturaes de Balonda (_Calundas?_) que um braço consideravel do Zambeze, corre no territorio a leste da capital, e caminha ao sul. «Todo este braço (accrescenta o dr. Livingstone) incluindo o ponto, d'onde toma a oeste, para Masiko (_Machico?_) está assignalado no mappa (d'elle Livingstone) provavelmente em demasia ao nascente. Foi assim marcado quando eu pensava que o Matiamvo e Cazembe ficavam mais a leste do que tive ao depois motivo para julgar. Sendo todas estas indicações derivadas do testemunho dos indigenas, eu as dou com desconfiança, e como carecendo de ser verificadas por novos exploradores. Machico acossado por Pepe, e mais tarde seu tio Rimbúa, que habitava as lagoas do rio Nhengo, onde se tinha exilado, depois de Hebitane se assenhorear do paiz, foram fixar domicilio no mesmo local a oito horas de marcha, de distancia um do outro, onde vinham permutar seus negocios as comitivas procedentes das Pedras de Pungo-Andongo, de Cassange e do Bihé; mas depois de ser assassinado por seu tio Hipopa, este assenhoreou-se do dominio, que desfructou até o momento de ser acclamado senhor do Lui, e por esse motivo aquelle ponto presentemente é dominio seu feudatario, dando logar a que não seja tão concorrido. É d'esse mesmo local que eu disse por occasião da passagem do illustre viajante para Loanda, achar-se apenas a dez dias de distancia da nascente do Riambeje, segundo as indicações de Hipopa, que por vezes foi á caça dos elephantes para essas partes. Com effeito, no espaço que medeia entre Machico e Catende para o sul e sudoeste, que são necessarios dez dias para percorrer, deve effectivamente encontrar-se a nascente do grande rio. De Catende para Catema, temos cinco dias, d'esta terra para Chaquilembe outros cinco dias; estas tres terras são tributarias do Matiamvo, e n'ellas limita o seu dominio com a tribu do Lui, do Luvar e do Quiboco, sendo em Chaquilembe que as comitivas procedentes das terras que acabei de designar, se refazem de mantimento para continuar a sua viagem mais para o centro, e quem, seguindo por ellas, tomar a direcção do nordoeste e leste, não passa o Riambeje porque o deixa ao sul e sudoeste, como acabei de dizer. Agora, as comitivas da mesma procedencia tomando esta ultima direcção, teem necessariamente de passar pelas terras de Musso-candanda e Canunguessa, egualmente do dominio Matiamvo, e passar o Riambeje na sua nascente, a vau ou em ponte, segundo as localidades a que se dirigir. Se, pois, o illustre viajante, pondo de parte preconceitos mesquinhos e futeis puerilidades, tratando com mais afinco dos objectos em immediata relação com a sciencia, partisse de Machico com destino a estas ultimas terras, e n'ellas tratasse de investigar o que tanto prendia com o seu dever, teria sem duvida achado a chave do enigma, como seja a nascente do Riambeje, deixando por consequencia de luctar n'aquella duvida do ser e não ser, como infelizmente se veiu a realizar para a sua pessoa. A mesma pagina 80 o seguinte: «Expondo a extranheza que lhe causou o phenomeno de um rio correndo em duas direcções oppostas, nota o dr. Livingstone que não advertira, quando tinha atravessado o Lotembua, qual direcção toma a corrente d'este rio; mas que, tendo feito reparo, ao achar-se da outra banda do lago Dilolo, de que seguia para o sul, presumiu que nascia no grande paúl, que observara indo para o nordeste, e continuava correndo para o meio dia; porém que chegando á margem meridional, ali o informaram de que a parte do rio, que tinha acabado de atravessar, caminha ao norte, e não desagua no lago Dilolo, mas sim no rio Kasai. Posto que eu não observei a corrente (adverte Livingstone) de nenhuma sorte duvido de que seja exacta a asserção, que aliás me foi confirmada, nem de que, por conseguinte, o lago Dilolo sirva de reservatorio commum dos rios que vão correndo uns para o nascente, outros para o poente.» A este respeito só a sciencia geographica pode apresentar um trabalho completo, o que não está em relação com os meus conhecimentos; no entretanto, apresentarei aquillo de que posso dispor, dizendo que os rios de uma mesma origem, e com direcções oppostas, abundam aqui em Africa:--aquelles de que tenho conhecimento segundo as informações obtidas, são os que seguem descriptos nas minhas differentes viagens: _Rio Loengue_, na terra de Miqueselumbue. _Rio Lunguébungue_, no territorio Ganguella, das tribus Luchiaje e Bunda. _Rio Quando_, no territorio Ganguella, das tribus Zambueira e Bunda. _Rios Cuito da Zambueira, Cuime_ e _Cuiba_, no territorio Ganguella, entre as tribus Luchiaje, Zambueira, e Quiboco. _Rios Caquema_, _Cuito_ e _Cunhinga_, no territorio Quimbundo, do dominio do Bihé, descampado denominado Inhana Umbolobulo. _Rios Cubango_ e _Cutato dos Mangoias_, no territorio Quimbundo proximo ás terras de Candumbo e Sambo, descampado denominado Acaca e Acatumbo. _Rios Quebe_ (_Cubo_ na sua foz ao sul de Loanda) e _Cunene_, no territorio Quimbundo, na terra do Ambo, montanha denominada _Ecunjo_, e assento da libata grande da dita terra, podendo dizer-se que, é ella e suas circumvisinhanças, a paragem onde têem origem todos os rios que deitam suas aguas no Atlantico, comprehendendo todo o litoral ao sul de Loanda até Benguella. Não falo do Cunene, visto que segue curso mais longiquo pelo interior, até á sua foz ao Sul de Cabo Negro. Tambem é voz tradiccional que n'ella existem minas de oiro, explorado em principio do seculo actual pelo sertanejo de Benguella João Pedro Costa. A paginas 91 depois de fazer vêr o illustre auctor do _Exame_ que, o conhecimento da navegação e do curso do Zambeze pelos portuguezes, já é de antiga data, conclue como segue: «Eis aqui as palavras do homem tão competente, como insuspeito a que me referi, fallo de mr. V. A. Malte-Brum, que dando noticia do mappa de Zambezia e Sofalla do sr. visconde (hoje marquez) de Sá da Bandeira, que vae publicado no fim d'este volume (do exame) assim se explica. «A carta que temos á vista comprehende a parte da Africa Austral, que se estende do 10.^o ao 24.^o grao de latitude meridional, e do 25.^o ao 41.^o gráo de longitude oriental do meridiano de Greenwich. O mappa representa o curso do Zambeze desde Seshek, capital dos Makololos, até á foz do rio, e tem por objecto fazer conhecido, qual é sobre as suas duas margens, e no interior do continente africano austral, os estados dos conhecimentos e dos dominios portuguezes. Não ha duvida em que, por esta costa oriental da Africa, os portuguezes hajam ha muito penetrado muito mais ávante do que nenhuma nação europea; mas tambem nada mais certo do que, quer fosse por motivos politicos, quer fosse por indifferença relativamente aos interesses scientificos, haver-se guardado silencio ácerca de descobertas que só o engodo commercial tinha provocado. Hoje os portuguezes parece que soffrem o castigo d'este silencio premeditado; silencio que deu naturalmente occasião ao esquecimento; e comtudo elles reclamam a prioridade das descobertas feitas pelo reverendo David Livingstone sobre as margens do Chire e do Nhanja... O mappa permitte que se faça idéa exacta da extensão que tinha adquerido o dominio portuguez sobre a costa de Sofalla, e sobre as margens do Zambeze, e contem indicações uteis, que debalde se procurariam n'outra parte.» A prioridade das descobertas pelos portuguezes, está demonstrando até á saciedade que lhes pertence de facto e de direito, faltando unicamente para que fossem o que deviam ser, e era de esperar, que, o governo ou mesmo sociedades scientificas, enviassem homens praticos nos conhecimentos dos differentes ramos da sciencia humana, a fim de explorar, investigar, e descrever tudo o que teem immediata relação com essas descobertas, e quando tivessem a desgraça de serem seifados pela morte, como succedeu ao dr. Francisco José de Lacerda e Almeida, era do dever não desanimar, proseguindo sempre na obra encetada até o seu complemento. As honras, as grandezas, e os premios, foram instituidos para renumerar taes feitos, visto que como diz Mr. Matte-Brun, o engodo commercial obriga a grandes reservas, e distrae os espiritos para a sordida avidez dos interesses. Mas que é o que pode prosperar sobre a terra sem esse agente que se chama commercio?! Aquelles, que vivem exclusivamente d'elle, não são competentes para metter hombros a taes emprezas, e os exemplos temol-os de casa. Se a minha obra fosse o que deveria ser, ha muito que estaria publicada, e talvez que em diversas linguas, obrigando o illustre viajante, a se tornar mais commodido nos seus escriptos; não o tem sido pela falta de valor litterario, nunca é tarde porém para se emendar e corrigir erros. As pag. 96 e 97 o seguinte. No cap. 12 escreve o dr. Livingstone: «Procurando certificar-me se por ventura Santura (_Sanduro?_) tinha sido visitado em algum tempo por homens brancos, não pude achar vestigios de tal visita: não existe prova de que alguem da tribu de Santura tivesse visto um homem branco antes da minha chegada e de Mr. Oswell em 1851. Aquelles povos não tem, é certo, recordações escriptas; porém os acontecimentos notaveis são commemorados por nomes, como Parke observou ser costume nas terras por onde viajara. O anno da minha chegada foi honrado com o nome do anno em que chegou o homem branco. Depois da primeira visita de minha mulher muitas creanças tiveram o nome de _Ma-Roberto_ (applicado á mãe e não ao filho, synonimo das primeiras lettras; depois do traço é o nome do filho. A tribu Quimbunda serve-se das lettras Ma, para designar Mãe) ou mãe de Roberto, nome do seu filho mais velho, outros tiveram o nome de Espingarda, Wagon, Monare, Jesus, etc, porém posto que os nossos nomes e os dos nativos portuguezes, que vieram em 1853, foram adoptados, não ha vestigio de que tivesse logar cousa semelhante mais cedo entre os Barotse: a visita do homem branco é acontecimento tão notavel, que, se tivesse occorrido durante os ultimos cem annos, devia ter d'ella ficado tradição.» «É muito para notar esta insistencia do dr. Livingstone em que não eram os portuguezes conhecidos dos Barotse. Esta demasiada insistencia faz desde logo nascer suspeitas no animo do leitor desprevenido, e mórmente se porventura está familiarisado com a maneira de escrever do celebre missionario: n'elle a insistencia longe de significar segurança, quasi sempre indica hesitação, e não acontecerá agora o mesmo? Examinemos.» «Em uma nota ao logar citado diz o dr. Livingstone: «Os Barotse dão a si o nome de Buloiana, ou pequenos Baloi, como procedendo do Loi ou Lui, segundo a commum pronunciação. Lui tem sido visitado pelos portuguezes, porém como a posição de Lui não está bem fixada, voltaram-se as minhas indagações para verificar se porventura era a mesma que a de Naliele. Perguntando ao cabo dos Mambari, chamado Porto, se tinha ouvido dizer que Naliele tivesse anteriormente sido visitada, respondeu negativamente, e declarou «que por tres vezes tentara elle ir alli do Bihé, porém que sempre lhe tolhêra o intento a tribu dos Ganguellas.» Elle quasi o conseguiu em 1852, porém foi repellido. Agora (1853) tentou ir ao nascente de Naliele, mas retrocedeu para Barotse, não podendo ir além de Kamko, povoação situada junto ao rio Bashukulompo, a oito dias de distancia. A gente de Porto desejava com ardor obter a recompensa promettida pelo governo portuguez. O não ter sido elle bem succedido, confirmou-me na intenção de ir para Oeste. Porto benevolamente se offereceu a acompanhar-me, querendo eu ir com elle ao Bihé, porém, não acceitando eu, precedeu-me a Loanda, e, estava publicando o _Diario_ da sua viagem, quando cheguei áquella cidade. Ben-Habibe contou-me que Porto tinha remettido cartas para Moçambique pelo arabe Ben-Chombo, que eu conheci; e depois assegurou, em Portugal, que elle mesmo fôra a Moçambique com as suas cartas.» O illustre viajante sendo menos exacto na exposição dos factos, taes, como se deram, permitta-me de os narrar como se passaram. No dia 1.^o de fevereiro de 1853, cheguei na terra do Lui, margem direita do Riambeje, isto é, ao estabelecimento feito pelos meus empregados em 1850, sendo n'este mesmo mez que passei para a margem esquerda, e dei principio e fim ao novo estabelecimento, e ficando por consequencia depois da sua conclusão, esperando, que chegasse a licença do soba Hiquereto, para a comitiva tomar os seus differentes destinos. Com effeito, ella não se fez muito demorada, porque a 12 de março chegaram os emissarios do soba Pepe que tinha partido para Rinhande á nossa chegada no paiz, juntos a outros do soba Hiquereto, que acompanhavam doze dentes grandes de elephante para permutar por polvora, com ordem para a comitiva transitar por onde bem lhe conviesse: o que logo se levou a effeito, visto que tudo se achava prestes para o dito fim; bem assim a partida da comitiva de Moçambique, realizada a 25 do já citado mez e anno, como egualmente tive occasião de falar. Projectando Pepe, em fins de maio, prestar homenagem ao seu Suzerano, e em attenção, á qualidade de seu hospede com que era tratado, convidou-me para a jornada, que, gostosamente acceitei, em virtude da recente noticia da chegada de um homem branco com carros a Rinhande. Este homem era o illustre viajante. Partimos a 20 de junho, eu por terra, o soba Pepe pelo Riambeje, em companhia de quem enviei Jorge José Motta meu empregado, com dois fardos de fazendas, (esta fazenda voltou intacta para o estabelecimento) para permutar por marfim, segundo a indicação d'aquelle. A 3 de julho cheguei a Quiceque, onde, os primeiros emboras da minha recepção foram a noticia do assassinato do soba Pepe, traiçoeiramente, ás mãos de seu primo Hiquereto, e victima por consequencia da sua bonhomia e boa fé. Confesso que bastante impressionado fiquei com tal acontecimento, fazendo-me luctar na alternativa de retroceder, ou de proseguir ávante, mas vencendo esta fraqueza, optei em proseguir a minha jornada, chegando a Rinhande a 12 do já citado mez, onde fui minuciosamente informado, pelo dito meu empregado, do homicidio em questão, o qual o illustre viajante em virtude dos seus usos, teria o cynismo de attribuir a connivencia nossa e os mais que após se seguiram na desditosa familia da victima, quando o pequeno leão senhor do Lui fosse assistido de qualquer portuguez, como era assistido da sua pessoa. Pela minha parte não lhe quero arrogar semelhante injuria. No dia 13 estava prestes a seguir para a libata grande ou povoação do soba, comprimentar este, reservando para depois a mesma cerimonia para com o branco, que os indigenas appellidavam geralmente de _Monare_ (synonymo de negociante ou sertanejo, como o illustre viajante me disse), quando, inesperadamente se apresenta o primeiro seguido de um numeroso sequito, como é de costume entre os Macorrollos, e após elle, o illustre viajante, pelas nove horas da manhã. Depois de trocados os comprimentos do estylo, puzemo-nos a conversar; segundo as minhas indicações falava o interprete Joaquim Marianno, conhecido dos indigenas pelo appellido de _Hindere_ (synonymo de branco na lingua quimbunda), com Hiquereto, já seu conhecido da viagem de 1850, pastoreando elle ao tempo o gado no Lui, como já tive occasião de falar, e eu, com o illustre viajante que, dirigindo-me a palavra sobre se eu falava inglez, francez, latim, etc., respondi negativamente, não dissimulando o meu constrangimento em presença de taes interrogações. Apresentei-lhe papel e lapis a fim de inscrever o seu nome, o que fez, fazendo eu outro tanto por baixo, bem assim, passei a inscrever o de Caetano José Ferreira, segundo a indicação do illustre viajante, trabalho a que se não quiz dar na occasião da visita do mesmo senhor no local, pelo julgar, quiçá, de superfluo; retirando-se o soba e o seu sequito, bem assim o illustre viajante, eram onze horas. No dia 14 recebi dois dentes grandes de elephante e um boi, presente do soba Hiquereto, que retribui na occasião, e mais tarde, na minha retirada para o Bihé, e n'este dia, pelas dez horas, fui retribuir as visitas recebidas na vespera, a primeira ao soba por ter a certeza de que não seria tão demorado, e a segunda ao illustre viajante, onde me demorei bastante tempo e tive a honra de jantar. Antes porém de proseguir ávante, permitta-me o illustre viajante, que passe a transcrever os trechos que seguem, e que vem aqui muito a proposito; o primeiro tem relação com o assassinato do infeliz soba Pepe, prova de que nada diz a seu respeito, e é este: «_10 de julho de 1853._ Continuámos a viagem, e fomos fazer quilombo nas povoações de Rinhande. Caminho plano, mattos de espinheiro, e palmeiras, abundante de sal, terreno fertil, leguas andadas 6, rumo de oeste. Este local serviu de theatro ao mais atroz attentado, no assassinato do infeliz soba Pepe, perpetrado por seu primo o soba Hiquereto. O homicida não tendo a menor consideração para com aquelle que espontaneamente lhe havia entregue o poder, tão cobarde se mostrou, que o commetteu á traição, e revestido do seguinte facto: Em maio do corrente anno, partiu Borollo da capital do Lui, dizendo ao seu superior que seguia para Rinhande a visitar Hiquereto; na realidade assim se verificou, porém, o objecto da sua visita teve por fim a ambição do poder em mira, servindo-se das armas da calumnia, para levar a cabo seus malevolos intentos contra quem o havia salvo da morte, livrando-o da azagaia de seu irmão o defuncto soba Hebitane; diz o rifão que «quem seu inimigo poupa nas mãos lhe vem a morrer». Tendo a calumnia na mente do inexperto soba sortido o desejado effeito, com a sua inexperiencia de moço e selvagem, não quiz recorrer a provas para a salvadora justificação da victima, mas sim, servindo de juiz e algoz a um tempo, saciou a sede de sangue n'aquelle que lhe apontavam de rival. Foi, pois, n'este local, que sahindo ao encontro da sua victima, e a titulo de obsequio, a deshoras, commetteu o homicidio, degolando o infeliz. Egual sorte espera no futuro o calumniador, muito principalmente n'este paiz, em que a vontade do chefe é a lei suprema.» Os dois paragraphos que seguem é para que o leitor possa avaliar o cavalheirismo do illustre viajante, na linguagem empregada nos seus escriptos em relação á minha pessoa. «_13 de julho._ Fui visitado pelo soba Hiquereto, que esteve a conversar perto de duas horas no quilombo, ao cabo de cujo espaço, e seguido do seu sequito, se retirou á sua povoação. Ao mesmo tempo tive a honra da receber a visita do dr. David Livingstone, missionario inglez, enviado pela Sociedade da propaganda da fé em Londres, a fim de explorar o interior de Africa.» «_14 de julho_. Fui visitar o dr. Livingstone, e vendo até que ponto pode chegar a industria dos inglezes, completamente admirei o seu arrojo. A comitiva do dr. é composta de oito pessoas, e em geral, bem como elle, falam perfeitamente a lingua dos macorrollos; dois grandes carros de quatro rodas cada um, e puxados cada qual por seis juntas de bois, transportam uma immensa bagagem, que, a ser conduzida por pretos, indispensavel seriam sessenta carregadores. Sahindo, pois, do Cabo da Boa Esperança, até á capital do povo Macorrollo, gastou seis mezes de viagem, passando unicamente dois rios caudalosos, Orange, proximo do Cabo, e Quando, proximo de Rinhande; havendo ao mesmo tempo paragens, nas quaes não encontrava agua em cinco dias consecutivos. É, pois, esta a segunda viagem do dr. David Livingstone a Rinhande, e a querer emprehender viagem para o Occidente com taes carros, inteiramente se tornava impossivel, em virtude dos mattos fechados a percorrer, serras a transpor, grandes paues, e finalmente abundancia de rios caudalosos. Teve a bondade de me fazer ver todos os seus mappas, uns completos e outros incompletos, e ao mesmo tempo, que desejava seguir em minha companhia até á capital de Angola, ao que annuindo, lhe fiz ver que com muito gosto acceitava a sua companhia; depois de nos havermos despedido, retirei-me ao quilombo». Tornando ao assumpto de que me tinha desviado. Depois dos comprimentos indispensaveis, o illustre viajante apresentou-me os seus mappas, uns completos e outros incompletos, e um mappa antigo portuguez, de pequeno formato, contra cujo auctor se mostrou o illustre viajante agastado, por não haver marcado precisamente como era do seu dever, a posição e largura do rio Loanja, apresentando-o muito fóra do seu natural. Objectei que os rios na estação invernosa, são uma cousa, e na estação secca, outra, talvez que essa mesma circumstancia se desse em relação ao rio Loanja, sendo visitado na primeira d'essas estações pelo auctor do dito mappa, o que o fizera cahir em erro, mas que tendo eu transitado pela sua margem direita, tres dias consecutivos, e trazendo a direcção do sul para Quiceque, lhe assignalara tres braças de largo, sem comtudo o haver passado, e com a particularidade de ser na estação secca; não insistindo mais sobre este ponto, aqui terminou o incidente, do qual me tornarei a occupar. Disse mais se tinha conhecido o soba Hebitane. A uma proposição tão insolita, respondi indicando o interprete Joaquim Mariano; a isto nada retorquiu. Perguntou mais quantos dias eram do Bihé ao logar em que nos achava-mos; respondi que só apresentando o Diario da minha viagem poderia dizer alguma cousa com precisão. Fomos jantar, e depois d'este, apresentou-me o illustre viajante um mappa em branco, que desenrolou; deu-me um lapis, a fim de marcar a posição do Bihé, e pontos principaes por onde tinha transitado. Mais um vexame para mim, por me fazer passar por ignorante aos olhos do illustre viajante, visto que tive mais de uma vez de lhe responder negativamente, dizendo não ter os conhecimentos necessarios para tal. Enrolou o mappa, que guardou, bem assim a bussola, e depois apresentou-me a carta do cavalheiro Duprat, especie de circular ás auctoridades e subditos de S. M. F., recommendando o illustre viajante, a qual, depois de ter acabado de ler, dobrei e entreguei; e como fossem já cinco horas da tarde despedi-me e retirei ao quilombo. No dia 15 de julho, fui percorrer a povoação de Rinhande, e tendo sido prevenido de que Hiquereto partia no dia seguinte para o Lui, pelo Riambeje, em companhia do illustre viajante (foi n'esta occasião que elle visitou a catarata Cungo (_Chungo_) ou Mosioatunia, e que tiveram logar os assassinatos de que acabei de falar, na desditosa familia do infeliz soba Pepe) dispuz a minha partida para o mesmo dia, mas por terra, e pelo mesmo caminho da vinda, em consequencia de ter ficado a minha cavalgadura no caminho, a quatro dias de distancia de Quiceque, por motivo da mosca _Zeze_ em que abunda as margens do Loanja, do que já tive occasião de falar. A 16 de julho parti de Rinhande, e depois de vinte dias gastos no caminho, em marchas e demoras, cheguei ao estabelecimento a 4 de agosto. Acto continuo á minha chegada mandei chamar a gente que tinha partido para Moçambique a 25 de março, a fim do seu chefe dar conta dos motivos que originaram o aborto da viagem, cujos se acham descriptos no logar competente. Após esta audiencia tambem mandei chamar as pessoas principaes da comitiva, a quem expuz os pormenores relativos á viagem que acabava de fazer, bem assim a tenção immediata de continuar jornada para o nordeste, a fim de me encontrar com os pombeiros de Miqueselumbue, unicos que faltavam no estabelecimento. Isto era um dever a que me não podia eximir, segundo a pratica estabelecida, e concluido elle, dei por terminada esta segunda audiencia, e ordem para os preparativos de partida. No dia 5 de agosto apresentei-me na libata grande, onde pernoitei, a fim de comprimentar Hiquereto, bem assim o illustre viajante; retirando-me no dia 6, visto haver cumprido esse dever de civilidade. N'esta povoação denominada Nariere, entre outras coisas de que falámos, veiu a do illustre viajante fazer menção dos recentes assassinatos, consequencia do trama preparado por Borollo; respondi que egual sorte aguardava este no futuro. Disse mais que desejava viver retirado, e, se, com este intuito não haveria para o occidente uma terra para n'ella residir; respondi negativamente, visto que o illustre viajante havia delineado um segundo paraiso. E, interrogado mais sobre se em Loanda haviam hospedarias, e inglezes, respondi affirmativamente, accrescentando elle que, pretendia dirigir-se a Ribonda fazer algumas observações, e que no seu regresso aproveitaria o ensejo para me visitar; a que retorqui achar-me ás suas ordens. No dia 7 alevantei com direcção ao nordeste a encontrar-me com os pombeiros de Miqueselumbue nas margens do Loengue, unicos que faltavam no estabelecimento de entre o grande numero que tinha despachado para diversas paragens, como acabei de dizer, e prompto para despachar pela segunda vez a comitiva para Moçambique, isto depois de ter recommendado o bom agasalhado do illustre viajante, como á minha propria pessoa. Nos mattos, a dois dias de distancia, da terra de Miqueselumbue, isto é, depois de dezaseis dias de marcha, e no dia 22 de agosto, encontramo-nos, passando acto continuo a tomar contas aos diversos negociadores sobre a permutação que haviam feito. No entretanto, a minha missão não estava terminada; tinha vindo ao encontro d'esta gente, é certo; mas no seu numero faltava a arabe Ben-Habibe, a quem eu queria confiar a minha gente para a viagem de Moçambique, pelo julgar mais habil que seu tio Ben-Chombo, que já se tinha recolhido ao estabelecimento, e ambos haviam recebido fazendas minhas. Mas havendo ficado ainda á retaguarda, e não me sendo possivel ter mais demora, no dia seguinte 23 de agosto retrocedendo para o Lui, cheguei ao estabelecimento a 6 de setembro, tendo a noticia de que o soba Hiquereto, bem assim o illustre viajante, tinham partido para Rinhande cinco dias antes da minha chegada. Acto continuo mandei chamar Ben-Chombo ao qual propuz a commissão de Moçambique em companhia da minha gente, mediante o perdão da quantia em que tinha ficado alcançado, e a gratificação de cem pezos, no caso de bom exito, acceitando promptamente e ficando por consequencia á minha disposição; (ainda não satisfiz esta divida em virtude de se não ter apresentado o arabe depois que desempenhou a commissão) tratando-se unicamente n'este meio tempo dos preparativos das duas viagens: a de Moçambique realisada a 22, e a minha para o Bihé levada a effeito a 30 d'esse mesmo mez. Posto isto, direi que, em referencia á terra não ser visitada por branco algum, antes, e mesmo no tempo de Sanduro, se o illustre viajante se désse ao incommodo de visitar o local onde jaz sepultado este mesmo soba, (todos os sobas depois de acclamados têem por habito construir a sua respectiva povoação, ahi residem, e ahi são enterrados, e sempre no valle de Lui) alli encontraria vestigios do contrario n'umas campainhas que foram do dito Sanduro: eis o que digo relativamente: «_15 de setembro de 1867._ Hoje fui ao local de romagem dos sobas primitivos d'este povo, e, tambem dos senhores intrusos durante o seu dominio no paiz, que nada teem a admirar, exceptuando as Eçandeiras e Palmeiras que contam para mais de seculo de existencia, seguindo a posição das mesmas a fórma oval, como são todas as povoações dos selvagens; hoje, apenas apresenta a fórma semi-circular, visto que o tempo destruindo algumas da parte de sueste, damnificou de alguma maneira o todo pittoresco do local, em consequencia da situação que occupa no meio d'este descampado immenso, e despovoado de arvoredo, que, tem uma elevação de dez pés acima do nivel terreo, onde nunca chegou a agua, mesmo em annos de grande inundação; e que segundo informações dos velhos que me assistiram, foi mandado entulhar pelo soba Sanduro. «Proximo do mesmo, sobranceiro ao Riambeje pequeno, do lado do norte, e junto, do lado de leste, existem duas povoações a cargo de cujos habitadores está confiada a sua limpeza; no centro, e junto de uma corpulenta Eçandeira, está a sepultura do fundador que com facilidade se distingue em virtude de oito grossas forquilhas de pau ferro com as hastes bastante compridas e agudas, e nas quaes o soba manda depositar uma peça de fazenda fina, (é primeiramente rasgada aos pedaços) logo que na terra faz entrada qualquer comitiva de sertanejos, e que ahi é consumida pelo tempo. Tambem ahi encontrei quatro campainhas antigas. «Como fosse prevenido para o effeito, depositei egualmente quatro jardas de algodão e quatro campainhas pelos ditos paus, presenteando egualmente o chefe do local, velho de oitenta janeiros, com duas jardas de baeta, e missanga aos seus companheiros e para a turba que me rodeava; após o que me retirei, deixando todos satisfeitos da minha visita, quiçá, que anhelando outras identicas pelo proveito que d'ellas lhes resulta. Spleen de Londres, e vento vario de dia e de noite.» De que parte sahiram essas campainhas antigas de que acabo de fazer menção: do Oriente ou do Occidente? Quem é tambem o auctor do mappa de pequeno formato, antigo e portuguez, cujo auctor tanto tinha attrahido a colera do illustre viajante, pelo erro relativo ao rio Loanja? O povo Lui segue o costume de beijar as palmas das mãos, e tambem o de se oscular, costume que ainda não vi reproduzido entre as mais tribus d'estas paragens; isto quando por qualquer circumstancia se avistam parentes e amigos, ou mesmo por caso fortuito se encontram; se o soba segue para a guerra, e dada a circumstancia de regressar victorioso, o povo de ambos os sexos acode pressuroso ao seu encontro para o victoriar. Como emblema da victoria, cada individuo previne-se de dois ramos verdes de arvore especial, que leva em cada uma das mãos, e chegado na margem de qualquer rio, lago ou lagôa, mettem-n'os como emersão na agua, tirando-os acto continuo, e espargindo-se á imitação de agua benta, e como que purificando-se. Concluida esta primeira cerimonia, a um tempo, e seja qual fôr o numero de pessoas, todas em ala, com os ramos sempre nas mãos, canto monotono e candenciado, mas que tem um tanto de agradavel e harmonico, em louvor do soba e dos seus, pela victoria acabada de alcançar, a passo grave e candenciado, dirigem-se em ala para elle. A um tempo tudo se prosta de joelhos, dando principio de lhe beijar as palmas das mãos, alternadamente a direita e esquerda; primeiramente as pessoas de elevada jerarchia, seguindo-se após estas, as pessoas plebeias, isto por tres vezes successivas, tendo logar primeiramente a esparsão da agua, a fim de ter logar após a mesma, o beijar das palmas das mãos. Os osculos teem logar entre pessoas de egual jerarchia; o soba é tão sómente osculado por pessoas da sua familia, ás quaes tributa alguma consideração. Dado o caso de ser em occasião do seu regresso, e depois de transpor os limites da capital, que a turba venha ao seu encontro, o soba pára, e egualmente o povo da guerra, a fim de ter logar a cerimonia que acabo de descrever: continuando da mesma fórma na libata grande, até que o povo em geral, da capital, tenha cumprido tal dever, acompanhado de tributo segundo o custume do paiz, mas tributo que se não torna oneroso, visto que cada pessoa deposita aos pés do soba aquillo de que pode dispor, e em virtude do habito de que ninguem se lhe apresenta sem que leve alguma cousa. D'onde, pois, veiu tal habito ao povo Lui: dos missionarios catholicos ou protestantes? creio que d'aquelles e não d'estes, em presença de não haver exemplos em contrario. Finalizo dizendo que na digressão por mim feita a encontrar-me com os pombeiros de Miqueselumbue, gastei até ao logar do encontro, dois dias áquem do rio Loengue, 16 dias. Para Moçambique, da primeira vez em que a viagem abortou, sahindo a minha gente como já disse do estabelecimento a 25 de março de 1853 até á terra do soba Camgomba, além do rio Lohunje, em 7 de junho do citado anno, 75 dias, sendo 46 de viagem e 23 de demora nos differentes pontos por onde transitou; recorrendo, pois, o illustre viajante ao seu mappa, e no qual grandes modificações teem a fazer, virá no conhecimento da falta que commetteu em se deixar levar das informações menos bem cabidas de Ben-Habibe. Em identico caso estamos na minha precedencia ao illustre viajante a Loanda, bem assim na minha ida a Portugal. As minhas viagens até o presente, a partir da epocha em que tivemos a honra de nos conhecer-mos, teem-se limitado unicamente: da terra do Bihé para a cidade de Benguella, e vice-versa, e da terra do Bihé para o Lui, e vice-versa. E que, á imitação do illustre viajante poderia eu egualmente desmentir as suas palavras sob a asserção de ter visitado o Riambeje em companhia de Mr. Oswell, em 21 de junho de 1851, mas sim haver realisado tal excursão na sua segunda viagem em 1853, da qual data a sua visita á catarata Chungo ou Mosioatunia, visto que assim me foi affirmado por Hipopa, dizendo que na occasião em que o illustre viajante e Mr. Oswell, se dirigiam para Quiceque, tivera logar o seu encontro com a comitiva de Pepe e Hiquereto, que se dirigiam para Rinhande, em consequencia da morte do soba Hebitane, e que regressando, se retirára poucos dias depois para o Cabo, fazendo tal excursão na segunda viagem como acabo de dizer. Faço simplesmente a narração, tal como me foi affirmada; mas não respondo por ella. A paginas 120, o seguinte. «Por occasião de encarecer a affeição dos Bechuanas aos filhos, quando estes ainda em tenra edade, diz o dr. Livingstone: «Tive conhecimento de varios casos de avós que amamentaram os netos. Masina de Kuruman não tinha tornado a ter filhos desde o nascimento de sua filha Sina, e não tinha leite depois que Sina fora desmamada, o que costuma ter logar quando a creança tem dois ou tres annos de edade. Sina casou quando contava dezesete ou dezoito annos, e teve dois gemeos. Masina, decorrido o intervallo pelo menos de quinze annos desde que amamentara o ultimo filho, pegou de uma das creanças e a poz ao peito, e o leite correu em tal abundancia, que ella poude só por si alimental-a. Masina contava então pelo menos quarenta annos.» Vou egualmente corroborar o facto apresentado pelo illustre viajante. No Bihé havia uma familia oriunda de paes europeus, fallecidos muito tempo antes da minha chegada ao paiz; o chefe era homem que sustentava a mãe, velha sexagenaria, e duas filhas que vinham a ser netas da velha; das quaes, tendo-se amancebado a mais velha, que foi habitar para a companhia d'aquelle que a tinha escolhido para sua companhia, veiu a constar a familia unicamente de tres pessoas. Acontecendo porém este mesmo homem ter a desgraça de ser arguido de feiticeiro por um europeu, que levou a barbaridade a ponto de o mandar assassinar, segundo o estylo do paiz, ficou por consequencia a familia sem chefe, seguindo a avó, e a neta por tomar estado, para a companhia d'aquelle que, ainda não havia decorrido um anno tinha elegido para sua companheira a filha do homem barbaramente assassinado, e o qual cumprindo os deveres d'este, veiu a ser o arrimo da familia, succedendo por essa occasião dar a sua companheira á luz um infante, mas fallecendo poucas horas depois do parto. A pobre creatura ferida no amago d'alma por dois golpes, se pode dizer repetidos, a perda do filho que era o seu arrimo, e após ella a perda da neta, sabendo ser delicto entre a tribu Quimbumda que reduz á escravidão a familia que em virtude de um tal acontecimento entregasse a creança a peitos estranhos para amamentar: toma o bisneto recemnascido em seus braços, e trata de cumprir o dever do amor maternal, alimentando-o a seus resequidos peitos, a que acorde copiozo alimento, o qual serve de conservar a existencia ao innocente por espaço de um mez, no fim do qual expirou, mas em virtude de doença que lhe sobreveiu. Por egual extraordinario, talvez, em tal acontecimento, é a natureza ter produzido um ente em paiz culto, que em Africa, pela falta absoluta de conhecimentos, de mistura com a sua fraqueza veiu a adquirir os habitos dos selvagens, tornando-se uma fera como aquellas que habitam as selvas, por suggestões d'aquelles que o rodeavam. E para honra da humanidade taes actos apontam-se. A paginas 158 o seguinte. «As aldéas dos Barotse são construidas sobre defezas, algumas das quaes dizem que foram elevadas artificialmente por Santuru, antigo chefe dos Barotse, e, durante a inundação, todo o valle toma a apparencia de um grande lago, com as aldêas sobre as defezas como ilhas, do mesmo modo que succede no Egypto com as aldêas dos egypcios.» Já tive occasião de falar d'este local onde jaz sepultado o pae do actual soba do paiz, unico que foi mandado aterrar por elle, e tambem de que ha exemplo; os mais logares ficam pelo descampado ou valle, onde residiram e foram enterrados os antecessores do actual soba, (a sua povoação corre de noroeste para sueste, é a maior que tem existido, e approximadamente contém duas mil pessoas; por occasião da inundação d'este anno não fizeram mudança, visto que a agua se conservou a vinte passos de distancia do local) e do povo Lui propriamente dito que em parte habita os lados marginaes ou encosta dos mattos, e em parte o descampado, sobre monticulos de maior ou menor ambito e elevação, nos quaes pela maior parte tambem cultivam o grão, que fica sempre de vez em antes de se realisar o periodo da inundação, á excepção dos logares proximos aos mattos, e mesmo por estes em ambas as margens do descampado, bem assim as dos monticulos de que acabei de falar; este povo não tem por habito cultivar a terra nos logares baixos do valle; emquanto a inundação vae tomando incremento, não lhe dão importancia, mas no momento em que principia a chegar ás povoações, e só n'este caso, então dão immediatamente logar á sua mudança para ambas as margens do descampado, porque é indicio da inundação tomar maior incremento, o que de ordinario tem logar nos mezes de janeiro e fevereiro, tendo logar o regresso nos mezes de abril e maio, nos quaes a agua vae diminuindo progressivamente. Para este effeito estão de ordinario prevenidos com as canoas, porque então se pode dizer um mar ou grande lago o geral do descampado, formando ilhas de maior ou menor ambito os monticulos como que espalhados por elle, e como seja o seu elemento favorito, e pelo qual de ordinario almejam; a caçada ao hipopotamo, e a de toda a especie de aves, em que então abunda, torna-se o seu divertimento de todos os dias: ao passo que a gente do sexo feminino passeia de uma para as outras povoações. Porém não havendo indicios de que a inundação vá em progressivo augmento, conservam-se nas suas localidades, sendo n'este caso o gado o unico objecto que não admitte de longar, porque effectuam de ordinario a sua transferencia no mez de dezembro, para ambas as margens do descampado; reservando unicamente aquelle de tirar leite, do seu uso diario, o qual, é mudado no caso de se verificar a mudança do proprietario, visto haver logares conhecidos dos indigenas por onde pode passar sem perigo.» Foi pois Sanduro que mandou aterrar o local em que habitou, o qual não tem mais de uma milha em toda a sua circumferencia, isto provavelmente por ter escolhido para sua residencia, justamente uma ilha formada por um braço do Riambeje, a partir do lado de noroeste, a desembocar no de nordeste, e que tem a designação de Riambeje pequeno; paragem mais baixa que o geral do descampado. Na mesma ilha, em egual direcção, e na distancia de uma legoa, existe o local denominado Nariere, antiga côrte do povo Macorrollo, hoje inteiramente deshabitada como já disse. Fóra da dita ilha, em egual direcção, e na distancia de uma legoa egualmente, existe a povoação de Hipopa, da qual tambem acabei de falar. A paginas 162 e 163 o seguinte: «Terça feira 17 de janeiro (1854) fomos honrados (narra Livingstone) com uma grande recepção por Shinto. Sambanza reclamou a honra de nos apresentar, porque Manenko se achou um tanto doente. Os portuguezes nativos e os Mambari iam armados de espingardas a fim de darem uma salva a Shinto, fazendo o tambor e o trombeteiro todo o ruido que lhes era possivel com instrumentos muito velhos. O Kotta, ou logar da audiencia era uma praça de perto de cem jardas, e viam-se em uma das extremidades dois agradaveis specimens de uma especie de Baniána, (_arvore, cujos ramos pendem para a terra, e, tomando n'ella raiz, engrossam e formam novos troncos, etc., «Eçandeira, ou ulemba dos Quimbundos; existem seis especies.»_) Debaixo de uma d'ellas estava assentado Shinto, sobre uma especie de throno, coberto com uma pelle de leopardo; trajava com véstia variegada, saiote de baeta vermelha agaloada de verde, pendiam-lhe do pescoço muitos fios de contas grossas, e os braços e as pernas enfeitadas de braceletes e varios ornamentos de ferro e de cobre, na cabeça tinha posto uma sorte de capacete feito de contas de vidro entretecidas com primor, e coroado de grande penacho de pennas de pato. Proximo a elle estavam assentados tres mancebos com grandes feixes de settas sobre os hombros, etc.» Admiramos unicamente a belleza do estylo empregado pelo illustre viajante no trecho que acabamos de reproduzir, e seguintes, descrevendo a recepção que lhe fez o soba de Catema, que a falar a verdade nem merece as honras do titulo, não porque o queira humilhar, mas pelo papel que representa, elle e todos os mais do dominio da Lunda perante o seu Suzerano, ou dado o caso de virem enviados d'este a exigir-lhes tributo, como adeante terei occasião de falar. Entre as tribus Ganguellas ou Quimbundas constituidas pela maior parte sob a fórma republicana, poderiam gozar das prerogativas de estados de segunda ordem, porque então poderiam taes sobas dizer-se, senhores do _quero, posso e mando_; mas debaixo do jugo ferreo do Matiamvo, tornam-se simples automatos da sua vontade. O illustre viajante deve de estar ao facto do tratamento dado por Hiquereto áquelles potentados que se lhes apresentavam com tributo, ou mesmo teria ouvido falar das extorsões feitas pelos seus emissarios, quando, enviados em qualquer commissão aos ditos sobas, que, por via de regra, vinha a ser pela tardança de tributo, faziam e fazem ainda presentemente (e quando deixarão de o fazer!) pelas suas localidades: pois n'uma e n'outra terra é identico o tratamento; com a differença porém de que, no Lui não fazem ostentação dos assassinatos prepetrados e mandados perpetrar; ao passo que na Lunda é um acto de glorificação do Matiamvo. Posto isto, passaremos a narrar os factos taes como se passam, e cujos significam o reverso da medalha. Os sobas Chinde, Catema e Catende, que são precisamente aquelles por onde transitou o illustre viajante, em antes da extincção do trafico e quando os elephantes percorriam os seus respectivos dominios, vendiam escravos, e tributavam com elles o Matiamvo, correndo-lhes tudo por esse motivo ás mil maravilhas, monteando-se aquelles animaes á imitação dos outros, para seu alimento, ficando, por consequencia, os dentes no mesmo local em que era morto o elephante, expostos á deterioração e sem que ninguem os procurasse, (presentemente ainda se dá esta celebre anomalia para o sul além do rio Cubango, nas paragens percorridas pelos Cassaqueres); mas findo o trafico as coisas tornaram-se outras; o marfim teve principio de ser procurado, os indigenas deram principio egualmente de o pôrem debaixo de guarda; e tendo finalmente logar d'essa epocha por deante o tributo de escravos e marfim para o Matiamvo, em virtude das suas ordens. Os caçadores Quibocos como fossem conhecendo o valor d'este genero em presença dos concorrentes, principiaram no seu paiz de mover guerra de exterminio aos mesmos animaes, que afugentados por esse motivo, se foram internando pelo interior, onde da mesma fórma se lhes continuou tal guerra, pela ambição a que o marfim tinha dado origem, ficando o caçador com o dente esquerdo e dando o direito ao senhorio em cujo dominio era morto o elephante. A perseguição não diminuiu; pelo contrario, foi em progressivo augmento, visto que já se não falava em escravos pelas mesmas terras, mas sim a ordem do dia era marfim, porque ao passo que affluia ao mercado do littoral, ia tendo alta de preço; dando-se por consequencia a mesma circumstancia pelos differentes pontos do interior. A isto se deve a descoberta de novos mercados, de outras terras, e finalmente de outras tribus, até então desconhecidas. Os elephantes foram escaceando no dominio dos tres sobas que acabei de designar, e outros, até o seu total desapparecimento; e como era forçoso de apresentar tributo annualmente ao Matiamvo, faziam-no com escravos, fazenda, missangas, pelles e alguns dentes de marfim, quando os podiam obter dos caçadores; em presença de que, se tornava excessivamente oneroso tal encargo, visto que para arranjar fazendas e missangas sufficientes, se lhe tornava necessario dispôr de dez escravos, termo medio, além d'aquelles com que tributavam o seu suzerano. Por este motivo a decapitação de taes sobas principiou a ter logar mais amiudadamente, já na occasião em que se apresentavam com o tributo na côrte, já mandando o Matiamvo saber porque motivo se demorava o tributo além do tempo marcado; se por um lado quando se apresentam, ficavam por via de regra desempedidos, pelo outro ficavam detidos de permeio com o povo de que eram acompanhados, empregando-os em todo o serviço que lhes era destinado, até que ao cabo de um ou dois mezes, e ás vezes mais tempo, lhes era permittido regressar aos logares de suas naturalidades. Se, pelo contrario na occasião em que se apresentavam com o tributo, o Matiamvo não ficava satisfeito com qualquer dos apresentantes, em acto continuo o mandava decapitar, depois de lhe tiraram do pulso a insignia do poder, que vem a ser uma manilha ou bracellete de metal, envolvida em certos e determinados preservativos do seu conhecimento e superstição, que acto continuo vão depositar aos pés do Matiamvo. Este, pegando n'ella e depois de ter mandado vir á sua presença o successor immediato da victima, porque necessariamente deve acompanhal-a, depois de lhe recommendar o bom regimen do seu dominio, e o que deve fazer em relação ao tributo, entrega-lhe a insignia do poder, que o investe no mandato do seu decapitado parente, ficando por consequencia habilitado para o exercer, se por acaso não vier a ter egual sorte. Verificando-se porém o caso de que o Matiamvo envie emissarios ao dominio de taes sobas, estes tornam-se martyres das extorsões que lhes são feitas, e emquanto não são despedidos, a sua auctoridade torna-se nulla na povoação; havendo alguns, como tem acontecido, que fazendo observações contra tão insolito procedimento, o enviado puxando do _Mucuale_(facão de dois gumes) decepa-lhe a cabeça sem mais ceremonia que a sua vontade, e sem opposição da parte do povo da povoação, tira-lhe do pulso a insignia do poder, que entrega ao successor immediatamente, dizendo-lhe simplesmente que seja mais pontual que o seu antecessor no desempenho das ordens do Matiamvo; depois de mandar preparar o craneo, isto é, raspar por dentro e por fóra a fim de lhe serem extrahidas todas as particulas admissiveis de putrefacção, para ser guardado cuidadosamente com outros que teem egual sorte, e que na sua retirada para a côrte, apresenta como tropheus na presença do senhor, que lhe diz simplesmente ter cumprido o seu dever, dando-lhe a maior importancia proporcionalmente á maior porção de objectos de valor, lhe fosse possivel conduzir á sua presença. Algumas vezes subornados pelos ambiciosos do poder, estes mesmos enviados do Matiamvo, a que dão o nome de _Cacoattas_, ao entrar na libata grande do dominio a que se dirigem, intimam o soba existente a fim de abandonar o logar para que o seu successor o possa occupar, o que executa acto continuo sem mais observações, não lhe sendo permittido levar coisa alguma, além das pelles ou pannos que tinha no corpo, e com os quaes o encontraram na occasião; porque lhe advertem immediatamente, que, tudo quanto existe na povoação pertence ao Matiamvo. As pessoas que lhe são affeiçoadas só depois da retirada do enviado é que se lhe vão aggregar, e, se na occasião da expulsão se não lembrou de entregar a insignia do poder, seguem logo emissarios em seu alcance para que a restitua, e no que tambem não faz a menor objecção, visto que por felizes se reputam aquelles a quem a sua boa estrella concedeu semelhante graça. Finalmente, taes atrocidades são frequentes, e os Cacoattas tornam-se os flagellos dos sobas secundarios; taes oppressões teem dado logar a que alguns se tenham rebellado, mas não obstam ellas, os pretendentes ao poder são muitos, e não são exemplo a causar-lhes a menor impressão, visto que do acontecimento de hoje já ninguem fala ámanhã; advertindo, que, não é só entre os Mulluas que ellas se dão e repetem, os mesmos episodios são identices no Batebere, no Cazembe, no Lui e entre o povo Macorrollo, potentados poderosos para estas paragens. Para além, isto é para o Oeste, entre a raça Quimbunda que se pode reputar excepcional, temos as seguintes terras de potentados poderosos: Bailundo, Bihé, Gallangue e Quiaca; mas n'ellas as unicas barbaridades que se dão, vem a ser o assassinato de quatro pessoas, o maximo, no governo de cada potentado para differentes preservativos, em virtude da arreigada crença de seus antepassados, bem assim a de feiticeiria, que, leva a perpetrar o assassinato por differentes fórmas, na pessoa do desgraçado que fôr arguido de tal epitheto. A paginas 175 e 176 o seguinte: O dr. Livingstone censura Manuel Caetano Pereira de ter exagerado egualmente o seu poder. «Indagando eu, escreve Livingstone, se ainda se faziam sacrificios humanos no reino de Cazembe, como no tempo de Pereira, informaram-me que taes sacrificios nunca tinham sido tão communs como Pereira os representara, e que só tinham logar occasionalmente, quando o chefe carecia de certos encantamentos, porque então era morto um homem por serem para aquelle precizas algumas partes do seu corpo.» N'outro logar accrescenta: «O Cazembe além de ser visitado por Lacerda, tambem o foi por Pereira, que deu do poder d'aquelle chefe grandiosa informação, a qual não foi confirmada pelas minhas investigações». Se bem que tenha acabado de tratar da materia, e, se bem que sob differente assumpto, o volver a ella nunca se torna demasiado. Assassinar sob que pretexto fôr, sempre é commetter o homicidio; o illustre viajante esquece aquelles que continuamente commettia Hiquereto, não obstante a sua assidua assistencia entre os Macorrollos, a quem, se não diariamente, ao menos uns dias por outros, fazia ouvir a palavra da Biblia, como descida do ceu, para se dar ao incommodo de investigar o que outros escriptores, muito tempo antes, relatavam sobre o assumpto, no qual pecca como em todos os outros, por menos veridico nas asserções. Como pode ser que taes assassinatos tenham logar occasionalmente, dada a circumstancia de se tornarem necessarios para os preservativos d'esses mesmos poderosos potentados?! Se o seu instincto é a sede de sangue, com elle são ammamentados, e n'elle iniciados, até que assumindo o poder se fartam á semelhança do tigre que habita as selvas! E, porventura, se taes crueldades não fossem continuas, o seu poder não seria ephemero? Decerto que o seria, visto que para se sustentarem n'elle, ellas são perpetradas com assiduidade, até que uma conspiração urdida nas trevas, em presença de uma indisposição qualquer que elles sintam, lhes põem termo á existencia, já propinando-se-lhes veneno, já torcendo-se-lhes o pescoço, e já finalmente a decapitação, se um chefe audacioso preside á conspiração. O herdeiro assumindo as redeas do governo, não modifica estas disposições tradicionaes do seu codigo, cumpril-as-ha á risca, se porventura se não tornar mais sanguinario. Enviando uma expedição qualquer contra um estado rebellado, o chefe e seus adjuntos devem apresentar no regresso o sacco dos craneos do soba e mais pessoas de subida jerarchia do mesmo estado, que despejam com grande ceremonial aos pés d'esses grandes potentados (Matiamvo e Cazembe), e que acto continuo vão designando a quem pertenceram, porque é n'isto que se cifra a sua maior vaidade; após este acto segue-se a entrega do despojo, que, por via de regra é o que reservam para o fim do ceremonial. Se, pelo contrario, em logar d'estes signaes de victoria, foram derrotados, apresentando-se dando conta do successo, sejam quaes forem as razões que possam allegar, ellas tornar-se-hão baldadas perante o suzerano, porque a um signal seu particular, são mandados retirar da sua presença, a fim de serem decapitados, um a um, sem o menor queixume da sua parte por lhes ter chegado a sua ultima hora. Este ceremonial de caveiras, tem logar unicamente no Cazembe, e na Lunda, na terra do Luvar, entre a raça Ganguella, se o soba segue para qualquer excursão, bem assim por occasião da sua morte; agora, entre o povo Batebere, Lui, Macorrollo, não se dão ao incommodo de decepar cabeças, o assassinato sendo perpetrado á azagaia, e na presença do soba; o cadáver é arrastado para fóra da povoação, onde é consumido pelos animaes; e sendo commetido fóra, ahi mesmo o deixam ficar para ter egual destino; que seja proximo ou distante é coisa que pouco importa. Finalmente, em relação ao poder do Cazembe, direi que é elle muito fraco para affrontar o poder do Matiamvo, mas muito forte para o repellir em caso aggressivo. O illustre viajante sabe perfeitamente o proverbio: Duas aves de rapina não se fazem companhia; no mesmo caso temos ambos os chefes indigenas e consanguineos. A folhas 203 o seguinte: A situação do Bihé não é bem conhecida. Estando nós em Sanza, asseveraram-nos, que demora ao sul d'aquelle ponto, a oito dias de distancia. Esta noticia pareceu confirmar-se pelo facto de encontrar-nos muita gente, que vinha do Bihé para o Matianvo (_Sobre este ponto consulte o Diario de Joaquim Rodrigues á sahida do Bihé_) e para Loanda. Toda esta gente veiu reunida até Sanza, e alli se separou, tomando uns para o nascente, e outros para oeste. A nascente do Coanza por conseguinte não fica provavelmente longe do Bihé.» «A 10 de dezembro de 1853 digo o seguinte--«Continuámos a viagem, passamos o rio Quanza em ponte e a vau; n'esta paragem de quatro braças de largo, e d'ella á sua nascente dois dias de viagem. Proseguimos a marcha, e fomos fazer quilombo nos mattos, margem direita do dito rio. Caminho plano, mattos fechados, abundancia de riachos, terreno fertil, legoas andadas 3, rumo de leste.» Mais tarde pude colher a seguinte informação: Que o rio Quanza procede de um lago sito no local denominado Gunda-angongo, povo de raça Ganguella da tribu Nhemba. Em relação ao Riambeje disse já o seguinte: «Concedendo, pois, que assim não seja como acabo de transcrever, é fóra de toda a duvida que, qualquer rio caudaloso aqui em Africa, vadiavel que seja com agua pela curva da perna, d'ahi á sua cabeceira não pode distar mais de quatro dias de jornada, a experiencia assim m'o tem ensinado.» Posto isto, direi ser applicavel o que fica dito ao rio de que nos estamos occupando, e que concordamos inteiramente com a opinião do illustre viajante, pelos exemplos que passamos a apresentar. _Rio Nhengo_, _Ninda_ na sua cabeceira: Direcção de Oeste para Leste, leito de areia e pedra, e de margens apauladas; da sua nascente á sua desembocadura no Riambeje, nove dias de marcha; vadiavel nos quatro primeiros dias a partir da mesma, d'ahi por deante a partir para a sua foz, percorre-se em canoas. _Rio Cutti_: Direcção do Norte para o Sul, leito de areia e argilla, e de margens apauladas no espaço de duas milhas, isto é da margem direita para a esquerda do matto; da sua nascente á sua desembocadura no rio Quando, oito dias de marcha; vadiavel nos quatro primeiros dias, a partir da mesma, e d'ahi por deante a partir para a sua foz, é percorrido em canoas. _Rio Cubangui_: Direcção do Norte para o Sudoeste, leito de argilla, pedra e areia, e de margens apauladas; da sua cabeceira ávante quatro dias; já não dá vau, tornando-se necessario construir ponte para se passar para a sua margem esquerda; dirige o seu curso para o rio Quando. _Rio Quando_: Direcção do Norte para Sueste, leito de argilla e areia, e de margens apauladas; da sua nascente ávante quatro dias, offerece passagem em ponte e a vau; d'ahi para a sua foz no Riambeje proximo a Quiceque, é percorrido em canoas. _Rio Caimbo_: Direcção de Nordeste para Sueste, leito de argilla, pedra e areia, e de margens apauladas; a sua nascente procede de um lago, e d'ella ávante dois dias, offerece unicamente passagem em ponte e a vau, com difficuldade, pelo motivo da sua corrente veloz; d'esta passagem á sua foz, no rio Quando, é percorrido em canoas. _Rio Cuttau_: Direcção de Sudoeste para Noroeste, leito de areia, e de margens apauladas; espraia muito, e por este motivo se pode dizer vadiavel até á sua foz no rio Lunguébungo; este dirige o seu curso Para o Riambeje. _Cuito da Zambueira_: Direcção do Norte para o Sul, leito de argilla e areia, e de margens apauladas; da sua nascente ávante cinco dias offerece passagem a vau, e em ponte, e d'ahi para a sua foz no Cubango, é percorrido em canoas. _Rio Varia_: Direcção do Sul para o Norte, leito de argilla; da sua nascente ávante cinco dias, offerece unicamente passagem em ponte, e ávante tres dias na sua desembocadura no rio Cuime, (este tem a sua foz no Quanza) é percorrido em canoas. _Rio Quanza_: Direcção do Sul para o Norte, leito de argilla e pedra, e margens de argilla; oito dias da sua nascente ávante, no porto do Cuio, onde se passa em canoas. _Rio Cuquema_: Direcção de Nordeste para Sudoeste, leito de argilla e pedra, e margens de argilla; cinco dias ávante da sua nascente, no porto do Bissongue, onde se passa em canoas, dando-se a mesma circumstancia d'ahi para a sua foz no Quanza, nos dois dias a percorrer. Finalizo dizendo que os rios que ficam notados, existem a partir do Lui para o Bihé, e vice-versa, e aquelles unicamente cujas cabeceiras se passam, ou existem distantes do caminho do transito os dias que ficam marcados; o que julgo sufficiente a provar o que fica dito em relação aos rios Quanza e Riambeje. A ps. 256 o seguinte: «Chegado ao rio Loembua, no proseguimento da marcha começada, refere o dr. Livingstone, que a presença de um homem branco infundio terror nas mulheres, e que, n'estes casos, pareciam muito contentes quando elle dr. Livingstone acabava de passar sem se ter apoderado d'ellas; que o espreitavam das fendas das portas, atê que elle se approximava, e então se recolhiam fugindo para o interior da casa.» O illustre viajante quiz mostrar mais uma vez, a degradação a que chegou por estas paragens o immoral e escandaloso commercio de escravos, dando logar a que o bello sexo horrorisado nem se atreva de apparecer aos olhos dos desmoralisadores traficantes de entes humanos, verdadeiro flagello da humanidade n'esta parte do mundo chamado Africa. Mas isto em relação á situação reciproca de duas partes mutuantes na acção de contrahir um negocio qualquer; jámais no caso de aprisionamento de pessoas, que se torna muito mais melindroso como aconteceria com a _aldeia inteira de Bakalakau_; tal procedimento daria causa a graves represalias, como então tive occasião de fazer ver, e ao facto de correrem muito risco todos os sertanejos do Bihé, Caconda, Cassange, Pungoandongo, de Quilengues, que não obstante partirem de pontos oppostos, muitas vezes se encontram pelo interior d'este vasto continente; mas quando se não desse essa mesma circumstancia, quem deixará de ignorar que piratas não necessitam de negociar? Aqui tem o illustre viajante o reverso da medalha. Depois de se transpor os rios Cuquema e Quanza, as comitivas do Bihé são honradas na pessoa do seu chefe, pelas pessoas de ambos os sexos em massa, das povoações dos Ganguellas das tribus Luchiajé, Bunda, e Zambueira, nas terras por onde passa, da maneira que segue: _O nosso senhor veiu! O nosso branco veiu! O nosso amigo veiu!_ Isto á apparição do chefe da comitiva, batendo palmas continuamente, e fazendo-lhe um cerco entre o qual com difficuldade caminham os conductores da tipoia. E no momento em que elle tenha transposto a povoação, o povo, da mesma sorte corre precipitadamente para a frente, a fim de repetir a mesma ceremonia que finda depois de terem acompanhado o negociante na distancia de uma a duas milhas, retrocedendo então depois de cançados ás povoações d'onde sahiram. Entre a tribu dos Quibocos, estas demonstrações de jubilo excedem muito além do que acabo de referir, porque aturam pelo espaço de dois a tres dias, acompanhando a comitiva com seus generos, que permutam logo que se acha concluido o trabalho de construir o quilombo, retrocedendo ás suas povoações ao cabo do dito espaço; agora, se o illustre viajante não recebeu applausos semelhantes, muito principalmente tendo effectuado a sua passagem pela terra d'esta tribu, é isso devido ao pequeno numero de pessoas de que se compunha a sua comitiva, limitando-se por consequencia a vel-o pelas frestas das portas, como diz; mas não com receio de que aprisionasse pessoa alguma, ou mesmo de que fosse anthropophago, como as mães persuadem ás creanças indicando-lhes a approximação de qualquer europeu, á maneira de papão, a fim de as adormecer. Finalmente, não tendo o condão de adevinho, não obstante achar-me no paiz onde em larga escalla se exercita essa arte, quer-me parecer que foi a obra do illustre viajante que em 1866 ou 1867 deu logar a tanto alardo na camara alta em Portugal para a total suppressão da escravatura em todas as possessões portuguezas, não reflectindo jámais os nossos legisladores que é um negocio assás melindroso de um traço de penna acabar com ella, e que além d'isso temos uma lei que fixa para 1867 a mesma suppressão. Quaes são as medidas já adoptadas depois do celebre decreto de 22 de abril de de 1858, para que aquelles que podem mandar, tenham aquelles que sabem obedecer? Responderão: o trabalho livre! Esperemos e veremos. A ps. 261 o seguinte: «Como d'este ponto (do Zambeze interior) deviamos separar-nos para o nordeste, resolvi-me a visitar na seguinte manhã a catarata Victoria, chamada pelos indigenas Mosioatunia, e mais antigamente Shonguê (_Chungo?_) Tinha-mos ouvido fallar d'ella desde que entramos n'estas terras, e uma das perguntas que me fez Sebituane foi «Tendes na vossa terra fumo que faça estampido? Elles (os indigenas) não se atrevem a approximar-se tão perto que possam examinal-a; porém, referindo-se ao vapor e ao estrondo «Mosi-va-tunia» o fumo alli estrondea. Outr'ora a catarata chamava-se Shonguê, mas nunca pude saber a razão de lhe darem este nome. A palavra que entre elles designa a vasilha de cozer a comida tem similhança com aquella, e acaso quereriam significar uma caldeira a ferver, comtudo não tenho certeza d'isto. Persuadido de que Mr. Oswell e eu fomos os primeiros europeus, que visitámos o Zambeze no interior do paiz, e de ser esta catarata o annel que prende as duas porções, _conhecidas e desconhecidas_, d'aquelle rio, decedi-me a usar da mesma liberdade com que se auctorisaram os Makololo, e lhe dei aquelle nome inglez, sendo esta a só occasião em que appliquei um nome da minha nação a alguma parte das terras que investiguei...» _Chungo_, _namatittima_, _imbôto ea mahenza_: «D'aquelles local (o abysmo) sae fumo, que molha a gente, e que atemoriza como o fragor do trovão,» dizem os indigenas do local, tribu Baleia ou Guete (nome generico pelo qual é denominada esta numerosa familia composta de diversas tribus) d'estas paragens. «_Mosi-oa-tunia_:--«O fumo alli estrondea», diziam outr'ora os Macorrollos, ao approximarem-se do local d'onde sahem as columnas de fumo da catarata, e que por assim a terem chrismado, assim se ficou denominando.--_Victoria falls_, repete o illustre viajante á imitação dos intrusos senhores, querendo coroar a obra da sua gloria na parte conhecida e desconhecida, do grande manancial. Eu penso, e creio não me enganar, que se os Macorrollos a um tempo se fossem precipitar no abysmo da catarata que chrismaram como acabei de dizer de Mosioatunia, o illustre viajante não os seguia, visto que a sua prudencia assim lh'o aconselhava, mas já o amor proprio lhe não permitte recusa na denominação em paiz estranho, a objectos, applicando-lhes nomes do seu paiz natal, porque ao passo que o quer engrandecer, tambem engrandece a sua pessoa! Vaidade das vaidades, e tudo vaidade. Eis os nomes que lhe são applicados pelos indigenas aos differentes pontos do seu curso a partir do Lui para Quiceque, e vice-versa. _Sioma._ Povoação proxima da catarata; _Gonhe._ Principio da catarata, e no qual as canoas são conduzidas por terra em virtude dos escolhos. _Cale._ Local mais ávante por onde passam as canoas com praticos. _Luço._ Local mais ávante por onde passam as canoas com praticos. _Gambue._ Local mais ávante, no qual as canoas são conduzidas por terra em virtude dos escolhos. _Lucibe._ Local mais ávante por onde passam as canoas com praticos. _Molele._ Local mais ávante por onde passam as canoas com praticos. _Acicuti._ Local mais ávante por onde passam as canoas com praticos, bem assim onde habitou o fundador de que ha tradicção, do mesmo nome, e chefe da tribu Baleia. _Chungo._ Mosioatunia, synonymo do primeiro nome; fim da catarata e local do abysmo, e no qual as canoas são conduzidas por terra em virtude dos escolhos. E, eis o que digo egualmente em 23 de julho de 1858 sobre o assumpto: «23. Continuámos a viagem por mattos fechados, e chegamos na cachoeira do Riambeje, sitio Catongo, onde se fez quilombo. Paragem de transito sem inconveniente algum, terreno fertil, horas de marcha 9-1/2, rumo de sul. «Estamos nas margens do magestoso rio sem rival n'estas paragens, que banha com suas aguas os contornos de Senne, Tete e Quilimane; o seu curso é apenas interrompido por tres cachoeiras, prestando no mais do seu transito, livre e seguro apoio áquelles que com as suas canoas, sulcam as suas aguas. N'esta paragem que terá de extensão seis legoas, as canoas em partes são carregadas por pretos, e em outras proseguem na sua carreira pelos differentes braços que sahem do rio; formando este aqui e alli, ilhas de maiores ou menores dimensões, cheias de arvoredo secular, e em outros logares de cannaviaes impenetraveis; bem assim, os contornos cheios de arvoredo gigante. O rio comprimido aqui pelas suas margens alcantiladas, em partes cobertas de areia mui fina e clara, que as enchentes vão accumulando segundo a direcção do seu curso, formam um contraste inteiramente sublime; o terreno contiguo n'esta estação todo gretado, bem assim algumas lagoas cheias de pedras, acham-se cobertas de espessas camadas de sal, que os naturaes preparam com alguma perfeição. Finalmente, o dr. David Livingstone, penna intelligente a toda a prova, e que bastantes serviços tem prestado á causa das sciencias, e a prol da humanidade, por vezes tem percorrido estas paragens em investigações scientificas, ninguem, pois, melhor que elle, poderá apresentar o quadro completo da topographia do paiz, cousa muito fóra da esphera dos meus conhecimentos, como o meu amigo leitor facilmente deverá comprehender, e que me não envergonho confessar.» A ps. 286 o seguinte: «N'outro logar conta Livingstone que, achando-se na tribu de Mpende, cujo chefe lhe difficultára o passo, dous velhos vieram, de ordem d'este, perguntar-lhe quem era. E que lhes respondera. «Sou inglez.» A isto replicaram os velhos que não conheciam aquella tribu, e que suppunham que elle e os seus eram Muzungos (portuguezes) com os quaes n'outro tempo haviam combatido. «Então (accrescenta Livingstone) como eu ainda não sabia que a palavra Muzungo era applicada aos portuguezes, e pensei que queriam com ella designar os mulatos, mostrei-lhes o meu cabello e a pelle do meu peito, e perguntei se os Muzungos tinham o cabello e a pelle como eu? Como os portuguezes costumam cortar o cabello rente, e são além d'isso menos claros de que nós, os velhos responderam. «Não, nós nunca vimos pelle como essa tão branca.» E continuaram «Ah! vós decerto pertenceis á tribu que tem coração para os homens pretos.» Eu com satisfação lhe respondi que sim, etc.» Diz inconsideradamente o illustre viajante: «Sou inglez»! Julgaria por ventura que a Inglaterra enviasse a sua esquadra e desaggravar o seu assassinato, dado o caso de que os selvagens o tentassem?! Felizmente que taes arrogancias áquem Bihé, não se podem contar e apontar, ao passo que além, a partir da mesma terra para o litoral, não só se apontam, como infelizmente se contam repetidas! E, ai quando tal se realizasse na pessoa do illustre viajante, em presença do seu caracter um tanto irrascivel, não teria por certo direito a melhores honras, que aquellas que tiveram tantos outros portuguezes, cujas ossadas insepultas por essas mesmas paragens, reclamam incessantemente dos transeuntes a oração funebre pelo eterno descanço de suas almas, já que outra cousa não podem obter em desaggravo do seu desastrado fim. O sr. Gamitto diz-nos no seu _Muata Cazembe_ que, os chefes designam os portuguezes por Muzungos. Segundo o mesmo sr. a raça de Cazembe dá-lhes egual denominação. A raça da Lunda chama-lhes _Hinder oe comema_; a raça dos Ganguellas, _Sungo_, e a antecedente, bem assim, _Hinder ea numba_; a raça do Luvar dá-lhes aquellas denominações, a raça dos Quimbundos, _Sungo_; a raça Bunda, de Angola e suas dependencias: _Sungo_, e _Cangundo_; a raça Lui e Macorrollo: _Macua do Oriente_, e _Macua do occidente_, indicando as ditas partes do globo. Pela mesma maneira designarão o Allemão, o Belga, o Hespanhol, o Francez, o Inglez, e finalmente o Russo, em virtude da sua côr, de natos da mesma parte do globo, de filhos de além mar; mas não que sirva a distinguir uma raça qualquer, como o illustre viajante quer fazer acreditar. Que nos venha dizer que, este ou aquelle regulo se não chame Hiquereto, sua segunda Providencia, e que em virtude da sua indole, fizesse menos preço da sua pessoa, levando a audacia ao ponto de o querer impedir na jornada, é cousa que se entende, mas não a insinuação opprobriosa sob o nome portuguez, simplesmente pela circumstancia de alguns membros da mesma familia empregarem-se, no odioso trafico de escravos; o que não está em harmonia com a posição que occupa na sociedade, e muito menos com o caracter de que se acha revestido. A não ser essa sua segunda Providencia, torno a repetir, o illustre viajante teria effectuado a sua viagem a Loanda auxiliado por esses mesmos a quem amiudadamente pretende expor no pelourinho da irrisão publica, como empregando-se n'um genero de vida que já de ha muito deixou de ser. Teria egualmente effectuado a sua viagem a Moçambique auxiliado pelo bom governo portuguez, a cuja fraqueza deve o bom exito da sua viagem de Costa a Costa, para mais tarde o escarnecer, como effectivamente o fez;... a retribuição seria sempre a mesma! Oh! se esta bella joia engastada como está na corôa de Portugal, pertencesse á de França ou da Inglaterra, o commercio da escravatura far-se-hia sempre, então, não direi que para possessões estranhas, mas sim nas proprias; havendo a certeza de que uma potencia não tomaria contas á outra por semelhante procedimento. O illustre viajante percorrendo Africa como acaba de realisar, diria então: Acabo de fazer a minha digressão na terra por excellencia denominada a oitava maravilha do mundo, visto que está ainda por vir á luz. Mas se bem que lhe pese, ella pertence a Portugal, e isso é sufficiente para a desacreditar, não obstante os obsequios com que por toda a parte foi honrado. As vicissitudes do acaso são assim, um tanto inconstantes para os individuos como tambem para as nações, e para fortuna sua e dos seus, um Pombal é como um meteoro; apparece de tempos a tempos, para desaggravar e elevar a sua patria. Qual será o potentado poderoso ou secundario em Africa, que abomine o trafico da escravatura? Se d'ahi lhe provém a sua grandeza, que se pode dizer ephemera, porque para se sustentar no poder, tem necessariamente de ser prodigo!... E a prodigalidade é exercida em virtude dos pleitos que quotidianamente decidem, e dos quaes são provenientes os escravos, o gado, a fazenda, as enchadas, a cera, alguma ponta de marfim, e finalmente toda a especie de creação miuda, fonte principal do seu rendimento; visto que nem todos se podem chamar senhores da Lunda, Lui, Cazembe, Batebere, Risucatebe e Macorrollos, onde abunda o marfim; os Ganguellas, onde apparece o marfim e abunda a cera; o Humbe, onde apparece o marfim e abunda o gado, mas que tambem permutam os escravos em maior ou menor escala, attendendo a ser a força principal da sua população. Embora a total suppressão se approxime do termo, o illustre auctor do _Exame_ pode ter a certeza de que o trafico não cessará jámais além do dominio das Quinas, visto que ahi se dão egualmente lucros para especuladores; compram escravos para o serviço, para a troca do marfim, da cera, do sal, do gado e finalmente para satisfazer Milongas (crimes), como já tive occasião de falar. E como poderá deixar de ser assim, se os escravos e o gado, são os unicos dois elementos que fórmam a riqueza principal e unica de todas as classes, aqui no interior d'este grande continente? Estudem primeiro o caracter, a indole, as leis tradicionaes, usos e costumes dos seus habitantes, e depois falem-nos do odioso trafico da escravatura, visto, repito, que não ha nenhum potentado poderoso ou secundario que o abomine. É certo egualmente que sem restricções o condemna a doutrina de Jesus Christo, mas tambem não é menos verdade que ella manda illuminar os pobres de espirito, a fim de que venham no conhecimento dos beneficios recebidos e por receber. E, já que desgraçadamente em tudo imitamos o extrangeiro, imitemol-o egualmente na formação de companhias para o bem estar das nossas possessões, no tocante a religião, civilisação e progresso; a fim de não estar-mos unicamente com a mira no governo. Agora, prestar-se-lhes taes beneficios sem o previo conhecimento d'elles, é, creio-o, do intimo da minha alma, procurar a nossa ruina. Quem lá chegar o reconhecerá, como diz o rifão. Acabo aqui o meu trabalho bastante desagradavel pelo motivo que lhe deu origem, e, logo que o illustre viajante traz para a arena o incidente de triste recordação para os portuguezes do _Charles e George_, responderei que, sou da opinião d'aquelles que preferem morrer na brecha, a ver a sua patria ludibriada, visto dizer-nos o sr. conselheiro Bastos que: «Antes inveja que piedade, vale mais ser invejado que lastimado». N'este ultimo caso existe a infeliz e desditosa Polonia! E, mal da Inglaterra se todos os seus filhos nutrissem sentimentos eguaes aos do illustre viajante, porque então seria a unica dominadora do mundo, ou riscada do mappa das nações. Fim Passo agora a transcrever o documento a que me referi, e que devo á bondade de João Francisco da Conceição e Mattos, filho do agraciado; por elle se virá no conhecimento, que a nomeação de capitães móres do paiz é muito anterior a 1791. Manoel de Almeida e Vasconcellos, Cavalheiro da Sagrada Ordem de S. João de Jerusalem de Malta, do conselho de Sua Magestade Fidelissima; Governador e capitão general d'este Reino, e suas Conquistas, etc. etc. Faço saber aos que esta Minha Carta Patente virem, que por justas considerações do Real Serviço, e do bem dos povos, é absolutamente necessario prover-se o posto de Capitão mór, e Juiz da Provincia do Bihé, povoação do Amarante, freguezia de Nossa Senhora do Desterro, e S. Gonçallo, jurisdicção da Capitania de Benguella, que vagou por fallecimento de Joaquim José Rodrigues, que o exercia, em Pessoa de satisfação, e merecimentos, que bem o haja de exercer; e tendo consideração aos de Antonio Francisco da Conceição, ter servido a Sua Magestade no posto de Capitão Mór e Cabo da dita Provincia do Bihé, com aptidão, e prestimo; e me pertencer este provimento pelo cap. 9.^o do Regimento d'este Governo: Hei por bem de o prover (como por esta o provo) no dito posto de Capitão-mór, e Luiz da Provincia do Bihé, povoação de Amarante, freguezia de Nossa Senhora do Desterro, e S. Gonçallo, jurisdicção da Capitania de Benguella, em quanto a Rainha Nossa Senhora não mandar o contrario, e eu entender he conveniente ao seu Real serviço; com a declaração de que será obrigado a residir na dita Provincia, e a guardar todos os Regimentos, Leis, e ordens, que se lhe communicarem, dilatando o commercio, a agricultura, e a industria, quanto permittirem as forças da mesma Provincia, e as Regras da Justiça, e de que não será reconhecido por tal Capitão-mór, fóra da dita Provincia, não fazendo guerra aos Negros, nem acto nenhum de hostilidade, sem expressa ordem Minha, e dos meus Successores, e que attrahirá e dilatará os Vassallos, e Dominios de Sua Magestade, pelos meios justos e suaves, da paz, da justiça, e do commercio, fazendo que a cada um se pague os serviços que fizer, ou os generos que vender, e que escuzando-se, não sahirá do Governo sem que primeiro seja rendido por aquelle que Eu nomear. Pelo que mando ao Governador da Capitania de Benguella conheça ao dito Antonio Francisco da Conceição por Capitão-mór, e Juiz da Provincia do Bihé, e como tal o honre, estime, deixe servir, e exercitar o dito posto, dando-lhe d'elle Posse, e juramento na fórma costumada, de que se fará assento nas costas d'esta Carta Patente; e as pessoas suas Subordinadas, que em tudo lhe obedeção, cumprão, e guardem suas ordens por escripto, e de palavra, no que pertencer ao Real serviço, como devem, e são obrigados. Na Thesouraria Geral das Tropas ordeno se lhe faça o seu Assento nos livros competentes, para delles tirar sua Fé de officios quando lhe convier. E por firmeza de tudo lhe mandei passar a presente por mim assignado, e sellada com o sello das Minhas Armas, a qual será registada nos livros da Secretaria do Estado deste Reino, e aonde mais tocar. Dada nesta cidade de São Paulo da Assumpção a onze de Maio. Hippolito Fernandes Pinto official menor da mesma Secretaria, a fez. Anno de mil setecentos noventa e um, Joaquim José da Silva, Capitão-mór encarregado do expediente da Secretaria do Estado a fez escrever. _Manuel de Almeida e Vasconcellos._ Carta Patente porque V. Ex.^{cia} ha por bem prover Antonio Francisco da Conceição, no Posto de Capitão Mór, e Juiz da Provincia do Bihé, Povoação de Amarante, Freguezia de Nossa Senhora do desterro e São Gonçallo, Jurisdicção da Capitania de Benguella, como nella se declara. Para V. Ex.^{cia} ver. Por Despacho de S. Ex.^a de 11 de Maio de 1791. Reg.^{da} af. 39 do L.^o 25 de Patentes e af. 41 do L.^o 5.^o dos Postos para fora fica assentada a sua Praça. Thesouraria Geral das Tropas 12 de Maio de 1791 _Manuel Pinto Delgado_ Cumpra-se e registe-se. Q.^{el} de Benguella 25 de maio de 1791. _Francisco Paym da Camara e Ornellas_ Reg.^{da} af do L.^o 21 de Patentes que deve n'esta Secretaria do Estado d'este Reino. São Paulo da Assumpção a 11 de Maio de 1791. _Joaquim José da Silva_ Reg.^{da} af. 111 do Registo Geral d'esta Capitania. Benguella 26 de julho de 1791. _Francisco Bermesso_ Principiei pelas nossa cousas, e por um acaso findei egualmente por ellas, visto ter-me vindo á mão o documento que acabo de transcrever, accrescentando, que, somos bastantes pigmeos para não seguir-mos a vereda de nossos antepassados. Então, procuravam, elles, estender e dilatar o nosso poder. Presentemente, não só se trata de o incurtar, como tambem abandonar! Assim se verificou com a Feira de Cassange, terra subjugada em 1850 pelo bravo Francisco de Salles Ferreira, e mandada abandonar pelo sr. João Baptista de Andrada em 1862... Bihé 2 de março de 1869. _Antonio Francisco Ferreira da Silva Porto_ Notas: [1] Veja-se o diploma no fim. Lista de erros corrigidos Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: +----------+---------------------+----------------------+ | | Original | Correcção | +----------+---------------------+----------------------+ |#pág. 12| Na capitulo | No capitulo | |#pág. 14| grande smanadas | grandes manadas | |#pág. 25| 1352 | 1852 | |#pág. 25| iudigenas | indigenas | |#pág. 29| papinas | paginas | |#pág. 33| Acarta | A carta | |#pág. 33| relativamete | relativamente | |#pág. 37| eutra | outra | |#pág. 38| fnturo | futuro | |#pág. 39| chegei | cheguei | |#pág. 42| artificialmenté | artificialmente | |#pág. 44| seuhores | senhores | |#pág. 45| apresentayam | apresentavam | |#pág. 50| ?ndigenas | indigenas | |#pág. 56| o declaração | a declaração | |#pág. 56| Annno | Anno | +----------+---------------------+----------------------+ End of the Project Gutenberg EBook of Silva Porto e Livingstone, by António Francisco Ferreira da Si Porto *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SILVA PORTO E LIVINGSTONE *** ***** This file should be named 27691-8.txt or 27691-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/2/7/6/9/27691/ Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. They may be modified and printed and given away--you may do practically ANYTHING with public domain eBooks. 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Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.